Timor-Leste nos olhos de Luís Cardoso
Em
maio de 2012, para celebrar o décimo aniversário da reconquista da independência
de Timor-Leste, o mais importante escritor timorense, Luís Cardoso, foi
convidado para visitar Cracóvia. Esta iniciativa fez parte de um projeto maior*
que envolve a popularização da língua e da cultura dos países lusófonos. O
encontro acompanhou a estreia dos fragmentos dos seus romances em polaco, Crónica
de uma travessia, Olhos de coruja olhos de gato bravo e Requiem
para o navegador solitário, publicados no “Roman” - jornal dos estudantes
do Instituto de Filologia Românica da Universidade Jaguelónica.
Luís
Cardoso nasceu em 1958 na ilha de Timor e recebeu a sua primeira formação no
colégio missionário, uns anos depois terminou os estudos universitários em
Portugal e lá ficou. Não podia regressar à sua pátria por razões políticas- naquela
altura Timor estava ocupado pela Indonésia. Apesar disso, sempre foi um
representante e um defensor da questão timorense na arena internacional. O seu
país é muito jovem, pode desfrutar-se da liberdade e da independência só há 10
anos. No entanto, ainda sofre das repercussões dos tempos da ocupação e da
isolação.
Nos
seus livros o autor aproxima o leitor da “terra onde nasce o sol”, como é
chamado Timor. Apresenta a diversidade étnica do povo timorense, a sua história
e a cultura que é profundamente arraigada na tradição impregnada pelos ritos e
mitos. Ainda a mesma ilha tem a sua própria história no que se refere à sua
origem. Acredita-se que foi criada do corpo do crocodilo que chegou ao fim do
mundo com o primeiro habitante nas suas costas. As lendas deste tipo constituem
uma parte intrínseca do universo timorense. Durante o encontro com Luís Cardoso
tive uma oportunidade única de escutar contos da sua infância em Timor. Como
ele é um contador maravilhoso podia com as suas histórias “transportar” a sua
audiência para este sítio mágico onde se encontram o mundo terrestre com o espiritual
e o sobrenatural.
É
interessante como o povo tão afastado da nossa cultura europeia pode perceber o
mundo. Na visão dos timorenses o mundo é capaz de virar-se do avesso só para
desviar os intrusos. O truque chama-se rain-fila
e se alguma pessoa se dá conta de que o truque foi feito, deve despir-se e pôr
a roupa do avesso para encontrar o seu caminho correto. Em Crónica de uma
travessia, uma personagem que está em Portugal faz este rito em frente de
um grupo de pessoas. Eles ficam muito surpreendidos, mas também estão inconscientes
totalmente do que acontece.
Uma
das histórias contadas durante o encontro com Cardoso referia-se ao espírito da
mulher grávida, uma pontiana, que
assombra durante a noite e o encontro com ela pode provocar a insanidade. Além
disso, diz-se que se à meia-noite os meninos dormem de boca para cima enquanto lá
fora um pássaro canta, uma pontiana aparece e arranca os corações deles. Cardoso
revelou que a mãe dele para proteger o seu filho adormecido virava-o sempre
para que ele ficasse de costas para a janela. Também, o autor acrescentou que
durante a sua infância queria sempre encontrar uma pontiana porque a lenda diz
que ela é uma mulher muito bonita.
Quanto
aos espíritos deve-se mencionar os dos antepassados.
Eles não se separam do seu povo, estão sempre presentes porque habitam os
corpos de tubarões que vivem nas águas que rodeiam a ilha. Os timorenses
respeitam muito os espíritos ancestrais. Se eles ficam ofendidos por algum
motivo podem provocar uma tempestade. Também, como eles já viveram a vida têm
uma sabedoria grande e podem ajudar a resolver os conflitos. Portanto, se dois
homens não podiam chegar a acordo em alguma questão, o povo mandava-os ao mar,
aos tubarões e quem regressava tinha razão.
Estes
são alguns dos mitos ainda vivos nos lares timorenses. Contudo, não se deve
esquecer do que a população timorense também é católica e trata a sua religião
com uma devoção verdadeira. É admirável como estas duas esferas coexistem sem
evocar os conflitos. A realidade timorense com o seu imaginário mágica não só surpreende,
mas também fascina. Que pena que Timor-Leste fica tão longe da Polónia!
*
o projeto realizado pela Fundação Lusorizonte, o Instituto da Filologia
Portuguesa UJ, o Instituto de Camões em Cracóvia e o Círculo Académico da
Língua Portuguesa UJ
Agnieszka Miciuła
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