Kuduro- mais do que um rabo resistente

  Um estilo de dança e um género musical com o nome comum gracioso "kuduro" tornou-se um dos mais intrigantes fenómenos dos últimos anos no mundo da música lusófona. Chama a atenção não só a popularidade que o género ganhou devido à sua mistura da música eletrónica, predominante entre os jovens dos dias de hoje, com o folclore tradicional angolano, mas também a génese do nome (supostamente uma junção das palavras "cu" e "duro" que se referem às características exigidas aos dançarinos para poderem realizar alguns movimentos agressivos que fazem parte da coreografia). O significado do kuduro, porém, é mais abrangente. Como uma arte valiosa, não é só um conjunto dos sons ou dos passos de dança, mas também uma narrativa sobre os problemas atuais do povo angolano, um olhar sobre o espírito do país. A matéria em que o kuduro toca é ainda mais interessante, tendo em conta os acontecimentos recentes na história de Angola – por um lado, o pesadelo da guerra civil, e, por outro lado, a cada vez mais forte posição do país na economia mundial graças aos recursos naturais em forma de petróleo e diamantes. 
  O kuduro nasceu no fim dos anos 80 em Luanda e Lisboa. As origens estéticas constituem outros estilos angolanos como o semba, a kizomba e a batida que foi o precursor do kuduro com base na música eletrónica europeia e americana enriquecida com a batida tradicional africana. O género tem também influências do soca caribenho e dos ritmos rápidos (130-140 batidas por minuto) techno e house. As letras são rapadas em português angolano ou em crioulo de quimbundo com o uso de calão e abordam os temas do quotidiano e da sexualidade.       
  A dança e a música são inseparáveis. A dança (que iniciou a evolução do género musical) consta dos elementos de break dance, movimentos dançarinos tradicionais e movimentos teatrais (por exemplo, imitando a ausência dos membros, visto que Angola é um país com uma das mais altas taxas de acidentes com minas). Por conseguinte, é uma mistura verdadeiramente única. 
  Às vezes o kuduro é discutido no contexto do chamado global guetotech, quer dizer, a música da periferia que se alastra pela Internet e por vias informais. Como um fenómeno na música eletrónica espalhado pelos países lusófonos (por exemplo, uma versão mais pop e aguada foi mesmo escolhida como música-tema da novela Avenida Brasil, da Globo, graças às semelhanças com o funk carioca) e pelas pistas de dança em torno do mundo, o kuduro, infelizmente, raramente provoca entre a audiência uma reflexão sobre a sua proveniência. Os álbuns da série Kuduro Sound System ajudaram a promover os sons dados à luz pela terra africana, mas, ao mesmo tempo, funcionaram virtualmente fora do contexto político e social. 
  A música, entretanto, tinha o papel relevante no desenvolvimento da chamada angolanidade (patriotismo cultural angolano) devido à criação das canções em línguas nacionais (como quimbundo e umbundo) com a utilização dos instrumentos nacionais. Angola sofreu muito nas últimas décadas. Em 1961 rebentou a guerra de libertação. Depois de cerca de 500 anos do colonialismo português, a Revolução dos Cravos em Portugal em 1974 levou a Angola a independência, mas também precedeu outra guerra – desta vez civil – que terminou finalmente em 2002. O conflito destruiu a economia, as estruturas sociais, ao passo que as atividades culturais foram frequentemente forçadas ao exílio. 
  Enquanto isso, a música foi a chave para inserir dentro do povo a noção de Angola como o país próprio. Desempenhava este papel, bastante político, desde os anos 50, mas após a independência em 1975 as coisas tomaram um rumo para o pior em termos da criatividade e da liberdade de expressão. A atmosfera cultural em Luanda e uma estrita censura forçou os artistas a politizarem a sua obra para os fins do estado. Até hoje, também no caso do kuduro, a propaganda política intervém na música, a maioria das vezes por meio do sistema de patrocínio. 
  Os investigadores destacam no contexto social três plataformas propícias para o kuduro: além de Luanda, existe a cena de Lisboa e a música marca a sua presença em pistas de dança do resto do mundo. Perante uma perspetiva angolana, a terceira área pode ser negligenciada. 
  Luanda – a capital do país e do movimento – é uma metrópole de cerca de sete milhões de habitantes. A maioria do kuduro em Luanda é produzida em estúdios nos musseques ("zona de areia" em quimbundo, isto é, nos bairros suburbanos ocupados por população com menos recursos, equivalentes dos bairros de lata portugueses ou das favelas brasileiras). O kuduro, da mesma maneira que muitos movimentos musicais de guerra antes dele, está ligado ao ambiente de gueto. Esta procedência é visível na rivalidade entre os kuduristas dos vários musseques, que consideram os seus guetos como os reinos. Na plataforma de Luanda a música é profundamente integrada no contexto sócio-histórico.
   Quanto à plataforma lisbonense, a integração não é tão clara, mas o facto é que os representantes desta cena tentam manter a relação da música criada por eles com a origem africana. O kuduro em Lisboa desenvolveu-se através dos refugiados da guerra civil angolana, especialmente nas periferias de Lisboa. O estilo distinto desta variante chamado kuduro progressivo é mais sofisticado do ponto de vista técnico. O kuduro angolano serve-lhe como o modelo e as bandas como a mais conhecida os Buraka Som Sistema combinam-no com as tendências observadas na música de dança europeia, nomeadamente, o dubstep britânico e o hip-hop. Outras bandas como os Batida e os Makongo também se referem à cultura angolana contemporânea ou antiga. 
  Hoje em dia, as condições e os temas da criação são muito diferentes em comparação com os inícios do género. Há equipamento suficiente para produzir a música em Luanda. A possibilidade de viver no ambiente precário faz com que os artistas possam ser mais autênticos do que os músicos criando, por exemplo, em Lisboa. 
  Esta autenticidade, expressa em Luanda e procurada na medida do possível em Lisboa, transforma o kuduro em algo mais do que só uma dança e uma música. Torna-o um ecrã em que se pode ver a Angola contemporânea, encontrar os vestígios da história do país, bem como os problemas atuais e, sobretudo, a voz dos cidadãos, a sua atitude perante os desafios, a sua crítica social e uma dose de otimismo na sua celebração da sobrevivência, sem se importar com os obstáculos. Afinal de contas, os kuduristas, tal como o nome indica, não deviam ter medo de cair.

Bartosz Suchecki

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