Os Amigos de Jancido: quando o amor pela sua terra chama
Quando ouvi falar sobre a iniciativa tomada por este grupo de amigos não podia fazer outra coisa senão pôr-me a pesquisar mais sobre o assunto. Isto aconteceu depois de ter percorrido o trilho de Moinhos de Jancido. O lugar em si impressionou-me imenso, especialmente por causa da paisagem e riqueza das espécies que encontram o seu refúgio neste santuário. Não vou mentir confessando que fiquei extremamente apaixonada pelo sítio por ter conseguido avistar um dos meus animais preferidos, isto é, a lontra.
Quando apareceu uma oportunidade de poder
acompanhar o trabalho dos Amigos de Jancido não podia deixar de
aproveitar esta possibilidade de conhecê-los melhor. Na minha opinião o
trabalho que têm feito de forma voluntária é incrível e merece mais divulgação.
É uma história que pode servir como fonte de inspiração para muitos. Sem dúvida
serviu para mim e quero contá-la com as minhas palavras, pois merece ser
divulgada.
Inícios do grupo
A chuva está a cair com alguma força. Armada com
a capa e botas, em companhia do meu marido, o Edgar e do nosso amigo Ricardo chegamos ao Moinho do
Alves. Lá estão os dois homens a trabalhar: o Fernando Sousa e o Manuel
Sousa. O último nome é igual, mas os homens não partilham os laços de
sangue. A tarefa para aquela tarde parece bem estipulada: descobrir o antigo canal
que deixava entrar a água no moinho, abrir o caminho para a passagem e
construir o muro ao lado. O Manuel está dentro do moinho e inspeciona a
estrutura. Já tem alguma ideia por onde deve vir o antigo tubo que transportava
a água. O Fernando e o Manuel começam a escavar. Parecem muito confiantes
naquilo que fazem. Já lá vão quase 5 anos desde que o grupo de amigos se juntou
para trabalhar na reconstrução dos moihos e limpeza do terreno à sua volta.
Os iniciadores da ideia do voluntariado foram Manuel
Albino Sousa e António Gonçalves. Os dois faziam parte da Comissão
de Festas de Jancido, freguesia de Foz do Sousa, concelho de Gondomar. Durante uma caminhada que tinham realizado à beira do rio
Sousa repararam no estado selvagem e de abandono dos moinhos que hoje atraem
centenas de visitantes. Daí surgiu uma proposta interessante: porque não
começar uma limpeza do terreno à volta dos moinhos? Inicialmente eram muitos, neste momento
sobraram cinco. Os Rapazes de Jancido, como são conhecidos. Abdicam do seu
tempo livre cada sábado para virem trabalhar juntos na recuperação do terreno.
O trabalho não falta, tem de se cuidar deste lugar maravilhoso. Já conseguiram
reabilitar 8 moinhos, mas nos planos há mais que esperam a ajuda dos
voluntários. O terreno antigamente cultivado ficou ao abandono com o passar dos
tempos. As reformas do estado, a tendência de deixar a agricultura e
simplesmente dedicar a sua vida a outras profissões fizeram com que este lugar
se tornasse esquecido. Porém, desde 2016 os Amigos de Jancido com a sua
dedicação trouxeram uma nova vida a este paraíso natural.
Visitantes (in)conscientes
Deixo o Fernando e ao Manuel por uns instantes e
vou espreitar o último moinho no percurso: o do Quintas. Lá, o Paulo Campos
está a apanhar as placas de lousa que os visitantes deixaram com as suas
assinaturas. Quando lancei o meu primeiro vídeo no YouTube sobre o trilho de
Moinhos de Jancido enviei a ligação para a conta oficial dos moinhos no
Facebook. Ficaram muito contentes pela partilha do trabalho deles.
O Paulo reconhece-me, sorri e fala comigo sobre
o trabalho que está a fazer. Conta-me que decidiram agora deitar as placas fora
porque os visitantes dos moinhos têm começado a arrancar as placas de lousa do
telhado dos próprios moinhos para conseguir deixar a sua assinatura. Alguns até
levaram com eles as tintas para poderem pintar por cima do material. Mas
acabou, não haverá tolerância para o vandalismo. Este tipo de
brincadeiras devem ser chamadas pelo próprio nome.
A minha cabeça não conseguer perceber o
comportamento deste tipo de visitantes. Chegam a um lugar bonito e em vez de
usufruir do espaço, reflexionar sobre a vida, o tempo, preferem intervir na
paisagem. Quando começam a destruir o trabalho dos outros este tipo de ações já
não pode ser tolerado. Deviam vir trabalhar um pouco com os outros voluntários,
para em vez de destruir arranjar o espaço.
Contudo, os Amigos de Jancido sublinham que as
situações de vandalismo são pontuais. A maioria dos visitantes do trilho respeita
o trabalho. “É mais coisa de miúdos” diz o Manuel preocupado. Tem muito orgulho
naquilo que estão a fazer. Ele juntou-se mais tarde aos Amigos quando voltou de
vez para Portugal. Esteve fora do país 30 anos a viver e trabalhar na Suíça.
Conhece muito bem o terreno dos moinhos porque passou aqui grande parte da sua
vida. Afirma que está a trabalhar no trilho também durante a semana. Está
reformado, então tem mais tempo que os outros amigos do grupo. Os quatro amigos
de segunda à sexta trabalham em outros sítios.
Haja chuva, haja sol vamos trabalhar
Como está a chover no trilho quase não há
visitantes. Deixo os três voluntários para trás e desço até à margem do rio
Sousa. Ainda tenho esperança de que veja mais uma vez a minha amiga lontra. Vou
devagarinho pelo caminho, molhando totalmente as minhas botas. Delicio-me com o
som de gotas da chuva a cair e o chilrear das andorinhas. O céu está nublado e
a chuva miudinha cria uma espécie de véu muito fino da neblina. Este momento
torna-se ainda mais místico. Passaram dois meses desde que vim pela última vez
a Jancido e parece que a natureza tomou por completo a posse deste lugar. Tudo
está verde. Aliás, tudo está repleto de várias tonalidades de verde.
Os voluntários trabalham cada sábado em Jancido.
As condições meteorológicas não conseguem interromper a sua dedicação a este
lugar. Nos dias com muito calor o trabalho custa bastante, mas sublinham que
vale muito a pena. Os resultados são bem visíveis.
“O Especialista” em fauna e flora
Passo ao lado da Ponte das Longras e vou à
procura do seguinte amigo. Encontro finalmente o António Gonçalves, o
“especialista” em fauna e flora. Embora não goste que se diga que é
especialista possui muito conhecimento sobre as espécies que foram observadas
em Jancido. O voluntariado trouxe-lhe muita aprendizagem sobre a natureza.
Tal como o Paulo, ele logo me reconhece e começamos
a falar. Veio sozinho para a beira do rio trocar as estacas que fazem de
suporte às arvores plantadas. O António explica-me que no passado organizaram a
ação de plantação de árvores em família.
Os participantes “assinaram” as árvores com as placas que indicam as espécies.
Realmente quando vim cá pela primeira vez vi as plaquinhas e achei muito
interessante esta ideia. Educar as pessoas
sobre as espécies autóctones é o objetivo. Apenas não sabia o que queriam
dizer os nomes próprios de pessoas que encontrei ao lado do nome da espécie.
Agora tudo ficou esclarecido. Infelizmente a pandemia interrompeu esta
atividade que juntava várias pessoas nas margens do rio Sousa.
O António ainda me explica o procedimento
relacionado com o controlo do estado das árvores. Tem de se verificar com
alguma frequência se é necessário podar ou trocar as estacas de suporte.
Enumera as espécies autóctones que conseguiram plantar: os freixos, os
amieiros, os sobreiros, os carvalhos. Hoje em dia Portugal enfrenta um problema
grave: a plantação dos eucaliptos. Os estrangeiros que visitam o país até
gostam de ver esta espécie invasora no mato ou nos parques e acham alguma
graça. Não sabem, porém, que consequências traz para os seus vizinhos: suga a
água do solo à sua volta sem deixá-la para outras plantas. Constituem também o
perigo no verão porque incendeiam rapidamente. Felizmente os Amigos estão a
fazer um trabalho excelente e replantam os terrenos à beira do Rio Sousa.
O trilho vivo e cheio de surpresas
Dou ainda um passeio curto na direção de Foz do
Sousa. O caminho que passa relativamente perto do rio ficou aberto e já é
possível fazer um percurso circular perto dos moinhos sem necessidade de fazer
o trilho completo até Covelo. Na verdade, cada
semana muda alguma coisa em Jancido. Cada sábado é frutífero e melhora
ainda mais a qualidade deste trilho. Desde a última vez que estive aí já não se
pode ver nem os baloiços nem a rede. Não foram os voluntários que colocaram
estes objetos no trilho. Concordo com eles, não são necessários no sítio destes
para poder apreciar a beleza da paisagem.
Após esta tarde quem visitar os moinhos
reconhecerá mais uma novidade: o grande buraco no Moinho do Alves que vai ter o
acesso da água. Volto para cima à beira de todos. Já estão lá os 5 Amigos. O Manuel
Albino Sousa, irmão do Fernando, é o quinto protagonista desta história. Já
está a trabalhar com a sua equipa na reconstrução do muro ao lado do moinho.
Donativos e apreciação do trabalho
Os elementos que usam nos trabalhos vêm quer da
segunda mão, quer de oferendas como donativos ou até aproveitam o que a terra dá.
Como sublinham os homens não são nenhuma associação. Não querem dinheiro, porque onde há dinheiro envolvido no projeto
aparecem logo as brigas e mau ambiente.
O grupo
de Amigos de Jancido é diferente, pois são voluntários e trabalham por gosto da
natureza. Apenas aceitam os donativos físicos em forma de material
que podem usar no terreno. Como exemplo enumeram as placas de lousa que
receberam das pedreiras em Valongo ou até umas serras que foram oferecidas pela
empresa local para poderem limpar o mato.
Muita gente que simpatiza com o projeto quer
ajudar também de outra forma. Prepara a comida, “o lanche” como costumam dizer
os homens, que consomem quase ao final da jornada. Desta forma conseguem apoiar
os voluntários que apreciam cada gesto mostrado por outros.
No caso do muro que estão a construir ao lado do
moinho os pedaços de xisto vêm do solo. Fico fascinada com a sintonia em que
trabalham. Não são precisas as palavras, cada um sabe perfeitamente complementar
o trabalho do seu colega. Nota-se a
camaradagem, a paixão que têm pela natureza e o amor que partilham por esta
terra.
Tive grande privilégio em poder observar e aprender muito sobre o projeto que estão a desempenhar. Fiquei muito contente por poder partilhar esta história com os outros e fazer com que cada leitor se pudesse sentir inspirado. É fácil estar em casa e não ter nenhum projeto. Às vezes procuramos tão longe que ignoramos por completo aquilo que está ao nosso redor. Não precisamos de fazer grandes façanhas, bastam pequenos gestos. Uma limpeza de terreno durante a caminhada dominical com a família depois do almoço. Ida ao abrigo dos animais uma vez por semana para ajudar aos nossos amigos de quatro patas abandonados. Seguramente no nosso concelho de residência não faltam as propostas de ações de voluntariado que podemos desempenhar. Basta interessarmo-nos pelo assunto. O verdadeiro desafio está à nossa espera quando decidimos começar uma nova aventura. Neste caso não interessa a idade, basta termos um pouco de coragem e vontade para mudar o mundo. Como os Amigos de Jancido que decidiram cuidar do lugar valioso que os rodeia. Devo ainda referir que no âmbito do nosso blog “Portogalense” e com imagens do Ricardo Marques fizemos um filme sobre o trabalho destes 5 voluntários.Com legendas em polaco e áudio em português esperamos estrear em novembro.
Anna Krupa dos Santos
Fotografias: Ricardo Marques
Ligações:
https://www.facebook.com/moinhosdejancido/
Trilho Moinhos de Jancido perto do Porto (legendado)
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