Na pele de...

  Quando entrei no palco o público calou-se e ficou com um ar de espera e de algo mais, só depois dum momento percebi que foi...surpresa. Tiinha nessa altura dezassete anos e os outros músicos eram bastante mais velhos. Apesar disso, tinha a roupa velha e usada, enquanto o resto das pessoas eram nobres, vestidos de seda e veludo. Sentia que a curiosidade do meu público crescia. Abri a capa, apanhei o meu alaúde e olhei uma vez mais para a minha audiência, Cantei os quatro primeiros versos e calei-me. Escutei como um sussurro de surpresa enchia a sala. Depois voltei a por as minhas mãos no instrumento e toda a gente se calou.
   Se não sabem, tenho de explicar-vos uma coisa. A canção que tocava não era só difícil- era extraordinariamente difícil e complicada e provavelmente a única pessoa em todo o mundo que conseguia cantá-la e tocá-la extraindo toda a sua beleza era o meu pai. Todos conheciam a letra da canção, mas provavelmente poucos a tinha ouvido, era mais como uma lenda, uma canção escrita de uma maneira que para tocá-la bem tinha de ter um dom sobrenatural, um talento excecional e muita experiência.
    E lá estava eu, um menino de dezassete anos, tocando-a com uma perfeição que nenhum deles tinha ouvido na sua vida. Cantei com toda a minha alma, o som de alaúde era forte e sonoro, a minha voz orgulhosa e segura, sentia como o público começava a amar-me e a ter medo de mim. A música era eu e eu era a música, não sabia dizer onde acabava eu e começava ela. Nem sequer tive consciência dos espectadores, sentia como se estivesse só com a música da minha alma. Era como montar um cavalo a galope numa tempestade muito forte, quando o teu corpo e a tua alma se enchem da excitação causada pela velocidade de montar e pelos trovões que parecem mover a terra. O teu caminho é iluminado só pelos relâmpagos e esqueces o fim da viagem, porque o fim não é o mais importante, a importante é a viagem em si, o seu ritmo e a sua beleza.
    Mas tudo tem de acabar. E assim acabou a história que cantava e os meus dedos deixaram de tocar as cordas. Todos estavam calados, na sala não havia nenhum barulho. Sentia- me como se despertasse dum sonho louco e profundo, e ficamos assim, todos calados, todos cheios de música, apesar de que já se não ouvia, todos a ouvíamos nas nossas almas. E depois, a taberna encheu- se de aplausos, de barulho forte como uma trovada depois dum relâmpago.
***
A pessoa sobre a qual escrevi é Kvothe, personagem do livro “O nome do vento” de Patrick Rothfuss. O texto, obviamente, não é nenhum fragmento do livro, é somente a minha cena imaginada baseada na personagem.

Sylwia Jabłońska
II ano de Filologia Ibérica

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