Deixa ir...

Vivo com os meus avós desde que me lembro. Antes também com os meus pais, agora somente com eles. A casa é pequena. Dois quartos, casa de banho e cozinha. E o cão-gato, dono da casa toda.
A minha mãe fica sempre surpreendida que os meus avós me dão tanta liberdade. Volto para casa tarde, vou às festas com os meus amigos, vivo uma vida de universitária como o resto dos meus colegas que vivem sozinhos. Mas eu com um almoço quente e coada sempre feita. Uma vida de luxo, posso dizer.
Voltando à minha mãe, ela não teve uma vida tão fácil com eles. Voltava para casa às dez e nada podia mudar isto, só uma mudança, um salto para a vida adulta.
O que mudou? Amadureceram.
Antes viviam em tempos revoltos, quando era proibido ouvir a rádio. Enquanto a sua filha mais velha lutava por poder estudar direito na universidade e depois fazer os exames para procuradora, a mais nova (a minha mãe) fugiu do país para Espanha com o seu namorado, agora o meu pai. Podiam dizer qualquer coisa? Não detiveram a sua filha e depois durante mais de vinte anos viam como, com o seu marido, mudavam de países à procura de dinheiro e do bem-estar. De uma vida digna.
Durante estos anos aprenderam que se uma pessoa quer fazer alguma coisa, vai fazê-la apesar do que pensa a família. “Deixa ir”, diz a minha avó sempre que tenho algum problema com os meus amigos ou com o namorado. Os que te amam voltam sempre. Os que não... a perda não deve ser muito dolorosa.
Hoje olho para eles. O meu avô na mesa, a fazer palavras cruzadas, maldiz quando não se lembra de alguma resposta. A minha avó na cozinha a preparar o almoço. “A comida está quase pronta! Marian, toma os medicamentos.” E ele vai ao armário e tira uma caixa cheia de comprimidos. Também uma seringa com insulina. Ela sai da cozinha com um copo de água e faz a injeção. Há sempre um beijinho depois do tratamento.
Olho para eles e sei que dentro de um tempo terei de deixá-los ir. Terei de amadurecer como eles antes. Mas acho que ainda não estou pronta. Nunca vou estar. É a única exceção que confirma a regra. Eles não vão voltar, mas não porque não nos amam. Vão voltar para os seus pais que abandonaram há muito tempo. O mesmo vão fazer depois a minha mãe e o meu pai. E finalmente eu.
Natalia Sławińska
2º ano de mestrado em espanhol

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