História de um sentimento...


Somos 7 mil milhões de pessoas que vivemos na Terra. Cada um no nosso planeta é como um grão de areia na praia. Isto significa que somos desconhecidos nesta multidão de gente que sente, desfruta e sofre. Milhões de tragédias, de histórias, de acontecimentos que ocorrem cada dia, cada hora, ainda cada segundo. Umas doces e alegres, outras mais amargas. As histórias são como as sinfonias agridoces. Esta é a minha. A história de um sentimento.
24 de junho de 2013
O meu horário no trabalho mudou por causa do início das férias. O verão chegou muito tarde este ano, os dias cheios de frio acabaram na semana passada. Mesmo que goste muito do nosso inverno polaco, graças ao meu pai no meu coração há sempre o espaço para as temperaturas altas. De qualquer maneira vou ter de me acostumar ao novo horário dos comboios. Hoje, ao voltar do trabalho, vi um par de olhos verdes tão grandes e bonitos que o meu coração acelerou. Mas esta sensação durou apenas uns segundos, interrompida pelo movimento de passageiros que baixaram e subiram na estação. Quando o comboio arrancou, os olhos desapareceram. Mas eram tão... tristes. Sim, é a palavra adequada. Se calhar vou vê‑los outra vez.
18 de julho de 2013
Passaram já 3 semanas desde o momento em que vi aquele par de olhos misteriosos. Não conheço o dono daquela alma cheia de tristeza escondida atrás do pano verde. Não me lembro quase nada do seu aspeto, mas isso não é tão importante. O meu problema é que não posso deixar de pensar naquela tristeza e infelicidade. Quando penso nisso, sinto as contrações dentro. As contrações de dor. É como se eu sentisse tudo o que ele sentiria. Como se produzisse alguma conexão entre nós, no momento em que os nossos olhos conseguiram encontrar o mesmo caminho. É muito estranho.
7 de agosto de 2013
Hoje foi um dia diferente dos outros dias. No trabalho houve muitas coisas para fazer, como sempre. Contudo, especialmente durante o verão e as férias há mais trabalho, dado que muitas pessoas estão de folga.Sem dúvida, hoje foi um dia de encontros. Chegaram e saíram muitas pessoas que tinham marcadas as entrevistas de trabalho com a nossa diretora, já que estamos no momento de recrutamento dos professores na escola de línguas.Estava muito ocupada com uma tradução que veio um dia antes com o objetivo de ficar realizada até hoje. Por isso, concentrei-me no ecrã do meu computador. Ouvi que alguém entrou na sala, porque a porta rangeu, mas não levantei o meu olhar, tendo certeza de que a minha amiga se ia ocupar do recém chegado. “O ato de divórcio entre a senhora X e o senhor Y”, soaram as palavras na minha mente, seguidos imediatamente do movimentos dos dedos.
- Desculpe, tenho um encontro combinado para às 14 horas com a senhora Carolina - ouvi. Fiquei muito surpreendida e quase saltei na cadeira. Olhei na direção da procedência da voz e as palavras ficaram na minha garganta. Vi um par de verdes olhos grandes que observavam a minha cara com atenção. Aqueles olhos verdes.
- Peço imensa desculpa, não a quis assustar. Não vi outra pessoa senão a senhora, então decidi perguntar.
Olhei para a sua cara quase com a boca aberta. Por um instante o meu cérebro ficou congelado. “Aqueles olhos verdes estão aqui. Aqui no trabalho. O que disse ele?”, pensei. “Ah, que tonta sou. Teresa, concentra-te”.
- Desculpe, pode repetir? Acho que não ouvi bem o que disse na primeira frase.
O homem fixou os seus olhos no meu rosto uma vez mais, sorriu e explicou que tinha um encontro com a minha chefe.
Naquele momento pude observar a figura dele. Era alto, magro, mas bem constituído. Tinha o sorriso grande, com os dentes brancos e bonitos. O cabelo dele era preto, encaracolado e mais comprido do que o corte da maioria dos homens.
- Sim, claro. Por aqui - levantei-me da cadeira e guiei o homem para a sala adequada. - Faz favor de se sentar, a senhora Carolina vem já.
- Muito obrigado - disse o homem e mandou-me um sorriso perfeito, quase como um dos atores que vemos nos filmes. “Meu deus, vai pensar que sou uma perfeita idiota”, essa foi a única frase que apareceu na minha mente. Tentei sorrir-lhe e sai do gabinete. No caminho de volta para o meu escritório fui chamada pela senhora Carolina.
- Teresa, um dos nossos clientes quer que alguém vá recolher os documentos para traduzir. Sei que tens uma tradução para fazer, mas eu tenho o encontro agora e preciso de que a Mónica esteja aqui. Vai lá tu.
- Com licença - voltei para o escritório, escrevi o endereço do cliente e sai do trabalho. Quando regressei, a Mónica estava trabalhando tranquilamente e vi outras pessoas à espera para a entrevista.
- Quem foi aquele homem que teve o encontro às 14 com a senhora Carolina? - perguntei à minha colega.
- Este borracho de caracóis? Era da companhia de seguros.
- E não sabes o seu nome?
- Não. Porquê? Gostaste dele?
- Fiquei curiosa, é tudo - menti e voltei para a tradução. Concentrei-me, com esforço claro, nos documentos de divórcio e esqueci-me do misterioso homem por umas horas. Porém, ele colou-se na minha mente durante o resto da tarde e ainda permaneceu lá durante a noite. Esta foi a primeira vez que sonhei com o homem dos olhos verdes. Toda aquela tristeza acumulou-se com a dor, por isso, quando acordei na manhã seguinte não estava nem relaxada nem tranquila. A partir deste dia não pude encontrar a paz interior.
30 de agosto de 2013
Os sonhos continuam. São sempre os mesmos. Ao início estou a ver que aquele homem observa o horizonte. As imagens mudam. Às vezes está nas montanhas, outras nas falésias. Ele olha as ondas quando se balançam ligeiramente perturbando a superfície da água. Ouço uma melodia tranquila e doce. Vem do violino. O homem parece relaxado, sei que a música chega a ele também. Começo a ir na sua direção. Um passo, dois passos, três... Ainda não me está a ouvir. Com cada segundo sinto esta sensação magnética entre nós. Sinto as centelhas no meu corpo. Apenas uns passos mais e vou estar ao seu lado. Ele começa a virar a sua cabeça. Lentamente. Já posso ver o seu sorriso. Não o sorriso falso, estudado. Não. O sorriso honesto. Cheio de alegria e de afeto. Já estou perto dele. Um caracol rebelde cai na sua cesta. Os nossos olhos encontram-se. O verde da sua íris penetra o mel dos meus olhos. E ainda chega lá, mais dentro. Quase explora a minha alma. De repente o sorriso desaparece do seu rosto. A expressão dos seus olhos muda. Não consigo ver nem a alegria, nem o amor. Há apenas dor e tristeza. Sinto com cada nervo que ele sofre. Vejo este sofrimento e começo a sentir o mesmo. A música do fundo muda também. Nunca mais será tão doce como antes. Está cheia de tristeza, como se o violinista quisesse expressar o seu lamento por nossa razão. Aparecem as lágrimas nos meus olhos. Começam a correr lentamente nas minhas bochechas. Ele quer dizer alguma coisa, mas não pode. Tenta, mas as palavras não saem. Vira a sua cabeça e neste momento acordo. O mesmo sonho aparece cada noite. Termina sempre assim.



18 de setembro de 2013
O dia no trabalho foi muito cansativo. Depois das férias temos ainda mais coisas para traduzir. Por isso, quando finalmente me sentei no comboio pude continuar a ler um livro. Já estava lá, dentro da história trágica dos protagonistas quando ouviu uma pergunta.
- Sim, o assento está livre - disse, sem deixar a leitura. Um homem sentou-se junto a mim. A história era tão interessante que nem pensei em deixar de ler. Porém, outra pergunta chegou até ao meu ouvido:
- Desculpe, posso lhe perguntar uma coisa? - sem esperar pela minha resposta ele continuou. - Tem...tens... isto é um e-book reader?
Lentamente levantei os meus olhos e neste momento o meu coração acelerou. Era ele! Aqui, no comboio! Ao pé de mim!
- Sim, é um e-book reader - tentei dizê-lo com um tom tranquilo, mas o meu coração batia com muita força, como se ouvisse os sinos a tocar.
- Quero comprar um, por isso perguntei. Mas... acho que já nós conhecemos. Não trabalhas lá na agência de tradução?
- Sim, trabalho. Tiveste o encontro com a diretora, certo?
- Certo. Sou o Tomasz - estendeu a sua mão na minha direção. Quando a toquei, senti uma corrente de eletricidade dentro de mim.
- Sou a Teresa - disse, um pouco timidamente.
- A Teresa? Não é um nome muito comum para uma mulher tão jovem como tu.
- Pois não. Os meus pais adoravam uma canção com este nome.
- Uma canção polaca? Não me lembro de nenhuma com o nome de Teresa - assegurou o homem dos olhos verdes.
- Sim, é verdade. Não é uma canção polaca, mas portuguesa - expliquei.
- Portuguesa? - perguntou muito surpreendido, mas ao mesmo tempo interessado.
- Sim, portuguesa. Sou metade polaca, metade portuguesa. O meu pai veio da terra do vinho doce, futebol e Camões - disse isto com um pequeno sorriso.
- Que interessante! - suspirou o Tomasz e neste momento o meu coração deu um salto de alegria. “acalma-te”, pensei.
- O facto que lês esse livro – apontou para o meu e-book reader - confirma que és bilingue, certo?
- Certo - sorri. Ele fez o mesmo. Neste momento vi que estávamos perto da estação onde costumava sair. Foi o único momento para fazer alguma coisa, porque como dizem, a cavalo dado não se olha o dente. O meu cavalo foi este instante. “Quem não arrisca não petisca”, apareceram as palavras de um provérbio na minha mente. No mesmo segundo a voz da minha intuição quase gritou „Não! Não!”, mas ignorei os avisos.
- É a minha paragem e tenho de sair agora - disse. Vi que no rosto do Tomasz apareceu a sombra da tristeza, tão bem conhecida que senti os arrepios. Quando ele me deixou passar, estendi a mão.
- Muito prazer em conhecer-te, Tomasz - disse.
- Igualmente -  respondeu com um pequeno sorriso. 
- Olha, aqui tens o meu número de telefone. Se quiseres, podes escrever ou ligar-me. Até logo! - disse e sai. Com o canto de olho vi que ficou surpreendido, mas ... feliz. Isso mesmo! Feliz! Senti um segundo salto no coração e dirigi-me para casa.

Anna Krupa
1º ano de mestrado em Estudos Portugueses

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