A mágica Podláquia
Há um pedaço da
terra atirado para os confins da Polónia. Não há lá solos férteis, os
arranha-céus não perfuram as nuvens, as auto-estradas não atravessam os campos.
Não há aeroportos, as chaminés de fábricas não despontam no horizonte. Este
pedaço da terra chama-se Podláquia, uma voivodia (província) no nordeste da Polónia.
A Podláquia não é
terra para se conquistar, é terra que conquista: faça o que fizer, é preciso “entrar
de cabeça” nela para a descobrir. É preciso deixá-la seduzir com os seus
feitiços. Nos seus braços o ar é mais leve, não há quem resista aos seus
encantos.
Casa tradicional, século XX, fot.: Anna Kułak
Cruzar a fronteira
da Podláquia é como entrar num mundo paralelo. Os direitos do mundo real são
abolidos e entreabre-se o espaço impregnado de metafísica. Desenrola-se o tempo
que não tem nenhuma pressa em acontecer. Fica-se tranquilamente perto de um fogão
de lenha. O calor faz o sangue circular mais depressa, e se não fosse o calor
não, seria a żubrówka, uma vodka feita
com ervas que crescem livremente rodeadas pelos bisontes europeus no parque
nacional Białowieski. Se não o
tivesse logrado a żubrówka, ainda
fica por provar o hidromel Podlaski ou
a cerveja Kormoran de uma das
cervejarias regionais. Mesmo assim, não é possível viver só
bebendo, é preciso comer um ou, por que não, dois dos pratos centenários feitos
à base de batatas e carne de porco não estressado (pois, o porco feliz é mais saboroso).
Casa tradicional, século
XX, fot.: Anna Kułak
O homem não vive somente de pão, pois é preciso encher não só o estômago, mas
também a alma. Assim, a Podláquia é a terra de muitos deuses. Ou de um chamado
de vários nomes, como quem preferir. É a terra onde há centenas de anos
convivem crentes de diversas religiões e confissões. Os tártaros, duros e
silenciosos, com seu povo trouxeram o islão, a arte do tiro com arco a cavalo,
os temperos de sabor picante e marcantes, a carne de carneiro e a arte de
curtimento da pele e de elaboração de objetos em couro. Os judeus trouxeram o
judaísmo, a riqueza dos pratos salgados com mel, e a música klezmer, outrora inseparavelmente
relacionada dos ritos religiosos, porém hoje em dia aplicada somente à dimensão
de entretenimento que pode ser confundido com o jazz, mas um jazz com o “ar
exótico”. Em tudo isso, os ortodoxos enredam o canto ortodoxo, profundo e
místico. Ombro a ombro, os polacos, bielorussos, lituanos, ucranianos, judeus e
os tártaros.
Em virtude da
multiplicidade das línguas usadas na Podláquia, o médico judeu Ludwik Zamenhof
reparou na necessidade da criação de uma língua artificial que fosse fácil de
aprender e que servisse de língua franca para toda a população mundial. Assim
em 1887 surgiu o Esperanto, a língua idealizada como ferramenta para transmitir
as culturas, propagar a amizade e a paz, destruir a última barreira que nos
pudesse separar.
Aliás, a fala dos podlaquianos é muito
musical. O ouvido bem treinado perceberia que certas consoantes na boca deles
alargam-se o que se tornou conhecido como śledzikowanie
(a palavra intraduzível que tem a ver com o arenque, embora não há quem
compreenda porquê).
Além
disso, para realmente entender a Podláquia e os podlaquianos não é suficiente
olhar e pensar. É preciso sentir, sentir é o que os constitui, é o que também
constitui a mim como podlaquiana. É por isso que os podlaquianos gostam tanto
da arte: adoram cantar e dançar. Białystok é a capital polaca da música pimba
(em polaco disco polo), mas também é
lá onde fica o teatro de ópera, o filarmónico e se realiza o festival de blues Bluesowe ostatki. Na Podláquia organiza-se
também o festival de música ortodoxa de Hajnówka, o festival de blues de Suwałki.
Preserva-se também a música folk e o artesanato que se podem admirar e aprender
durante o festival Wisegard Wave, o Festival
de muitas culturas e nações “Do pátio do campo” ou durante a Podlaquiana Oitava das Culturas, Festival
Internacional da Música, Arte e Folclore. Mas a vida cultural da Podláquia
não é só a música, dança ou o artesanato, são tambémos teatros e, entre eles, há
dois que merecem atenção especial: O teatro de marionetes de Białystok e um teatro
estudantil que representa as obras dos estudantes da Academia Teatral de
Białystok (a única na Europa Central e Oriental com a faculdade de marionetas).
A criatividade do povo não tem limites. A expressão suprema manifesta-se no Campeonato da Polónia de navegar em qualquercoisa que se realiza em Augustów sob o lema “O que flutua, não se afunda”.
A Podláquia é tudo
isso e muito mais. É o temperamento em ebulição que encontra o seu verdadeiro
destino entre as fileiras dos chorões, perto das florestas infinitas e a névoa
da noite. É a terra onde é possível perder-se e encontrar-se, aliás, onde é necessário
perder-se e encontrar-se, onde vais perder-te e encontrar-te se deixares.
Anna Kułak
1º ano de mestrado em Espanhol
Muito interessante Anninha, lendo seu texto posso imaginar como deve ser essa terra, me faz sonhar estar lá.
ResponderEliminarParabéns ;-)
Obrigada, Célio. Fico feliz que tenha gostado. :)
EliminarAgora é só vir, ver e viver esse sonho.