Os futuristas de Portugal - Padre António Vieira e Rainha Dona Luísa de Gusmão
Analisando as
biografias do padre António Vieira e da rainha Dona Luísa de Gusmão cheguei a uma
conclusão que o tempo real não sempre corresponde ao tempo da vida das pessoas.
Há pessoas que têm os pensamentos e comportamentos muito mais avançados do que
a gente da mesma época. O padre António Vieira e a D. Luísa são excelentes
exemplos para provar minha tese.
Padre
António Vieira foi considerado um verdadeiro visionário e futurista. O seu
pensamento só chegou à luz depois da revolução francesa e no caso do Brasil
duzentos anos após a sua morte quando começou o processo da libertação dos
escravos. Foi o autor de várias extraordinárias propostas econômicas cujo
objetivo foi enriquecer Portugal na época da Restauração. O padre António
Vieira percebeu que o sucesso de rápido enriquecimento não eram as constantes
conquistas, mas sim o estabelecimento de paz. Na época do Brasil holandês o
padre defendia a política pacifista em relação aos Países Baixos e chegou com uma
proposta de negociar com os Holandeses a compra do estado brasileiro ocupado
por eles, Pernambuco.
Eu chamaria o Padre
António Vieira de um cidadão do mundo – além de ser um missionário da Companhia
de Jesus, era também um verdadeiro diplomata, sempre convidado pelos vários
reis a expressar as suas opiniões políticas e por esta razão foi bem visto nas
cortes europeias. A sua política pacifista foi refletida na atitude dele como
mediador e negociador. Conseguiu negociar e pactuar com os reis, chefes indígenas,
colonos ou funcionários régios em todas as colônias portuguesas quer no próprio
Portugal quer nas colônias ultramarinas, nomeadamente no Brasil entre os grupos
indígenas do interior brasileiro. O seu lado mais forte foi a arte de se
acomodar muito facilmente e a sua flexibilidade - ora quanto à bem-sucedida
imposição das suas ideias no ultramar ora quando teve que confrontar-se com as
sociedades mais resistentes à sua pregação e mesmo assim conseguiu adaptar-se à
nova situação.
O poeta Fernando
Pessoa chamou-lhe de “imperador de língua portuguesa”. O padre António Vieira se
opôs ao tráfico de escravos africanos, à Inquisição e lutava pela liberdade
religiosa. Além de só ocupar o cargo importante nas estruturas religiosas era também
escritor, diplomata, político, pregador, sonhador e missionário – tudo ao mesmo
tempo. Com a sua visão do mundo “Liberté-Égalité-Fraternité”
ultrapassou a grande revolução francesa. Depois da sua morte, foi publicada
em 1718 uma obra importante - que o padre António Vieira escreveu secretamente –
intitulada “História do Futuro”, onde destaca-se seu pensamento marcante:
“Para
satisfazer, pois a maior ânsia deste apetite e para correr a cortina aos
maiores e mais ocultos segredos deste mistério, pomos hoje no teatro do mundo
esta nova História, por isso chamada do Futuro. Não escrevemos com Beroso, nem
com Heródoto as dos Egípcios, nem com Josefo as dos Hebreus, nem com Curciu as
dos Macedônios (....) mas escrevemos sem autor o que nenhum deles escreveu nem
pode escrever. Eles escreveram histórias do passado para os futuros, nós
escrevemos a do futuro para os presentes. Impossível pintura parece antes dos
originais retratar as cópias, mas isto é que o fará o pincel da nossa história”.
O padre António Vieira projetou o
futuro de Portugal e previu o papel importante que ia ser desempenhado por
Portugal na história do mundo. A visão dele não era o presente para o futuro, mas o
futuro para o presente.
D. Luísa de Gusmão, de
origem espanhola, foi uma mulher com muitas aspirações políticas. Pelo seu
casamento com D. João IV, o primeiro rei da dinastia de Bragança após a
Restauração em 1640, virou a primeira rainha de Portugal representando a nova família
real. As longas tradições ibéricas de casamentos entre as famílias reais
portuguesas e castelhanas causaram também as ameaças de uma possível perda da
independência. Mas a D. Luísa de Gusmão esteve bem longe de unir os dois países
rivais sob um cetro. Incentivou o seu
marido D. João IV para ele se opusesse à dinastia filipina e além disto interessou-se
bastante pelos assuntos da política portuguesa e agiu de tal modo para garantir
a independência deste pequeno país ibérico. Através das suas agitações acabou de
vez com o sistema da monarquia dual português-espanhola, recuperando totalmente
a autonomia portuguesa. Sempre se manteve fiel aos ideais da Restauração. D.
Luísa de Gusmão era uma mulher muito inteligente que defendia o fortalecimento
da nova dinastia (por exemplo através dos casamentos – da sua filha D. Catarina
com Carlos II de Inglaterra).
Sabia bem que o
destino dela era reinar e não apenas servir. Foi lhe atribuída esta frase – „melhor morrer reinando, que acabar
servindo” que no decorrer do tempo foi alterada e parafraseada ficando nas
cartas da história assim - “É melhor ser
rainha por um dia, do que duquesa toda a vida”. Quando D. João IV morreu em
1656 D. Luísa se tornou a regente do
reino durante a menoridade do pequeno infante D. Afonso.
D. Luísa foi uma participante
ativa na construção da Independência de Portugal. Uma rainha dedicada ao povo
português. Mulher inteligente e orgulhosa, boa esposa e carinhosa mãe. Uma
mulher certa no tempo e lugar certo.
Contudo, o mundo
daquela época não estave pronto para a recepção dos grandes futuristas de
Portugal. As ideias inovadoras, o desejo de uma mudança global, a ruptura com
um pensamento fixo e a ousadia requerem uma grande força interna. Padre António
Vieira defendendo os judeus e os cristãos-novos (vendo em eles uma
possibilidade de um desenvolvimento do país e respeitando o dinâmico espírito
empreendedor deles) foi condenado pela Inquisição que só anularia esta
condenação na segunda metade do século XVII. Um caminho parecido cheio de
obstáculos e desafios seguiu a D. Luísa de Gusmão. Mesmo defendendo a
independência de Portugal e sempre fiel aos princípios da liberdade, as suas
atitudes políticas bravas foram consideradas perigosas a medida que foi
afastada do governo por seu filho D. Afonso.
Os grandes
futuristas de Portugal foram simplesmente esmagados pela realidade.
Bibliografia:
AVELAR, Ana Paula, D. Luísa de Gusmão, A rainha
Mãe.
AVELAR, Ana Paula, Espelhos de um Império na escrita de Padre António Vieira: esboços:
iniciáticos.
GARCIA, Lima, Futuro e Futurismo Barroco na Obra de António Vieira, Escola
Superior de Educação da Guarda 2008.
RAMOS, Rui, História de Portugal, A Esfera dos Livros 2009.
VIEIRA António, Cartas
do Padre António Vieira, Tito de Noronha, Cornel University Library.
AGATA BŁOCH
Fundacja Terra Brasilis
Agata, pesquisando sobre a relação de Vieira com D. Luísa de Gusmão, encontrei uma insinuação num livro de historiadora austríaca sobre uma relação afetiva/erótica entre D. Luísa e Vieria.
ResponderEliminarAcredita que isso possa ter sido verdade.
Sou uma cineasta brasileiro que está pesquisando sobre Vieira para escrever um roteiro e tentar fazer um file.
O que você sabe sobre isso.
Pode ser?