Adelaide Cabete
"Uma
vida inteira devotada à prática do
bem,
especialmente à dignificação da mulher"
Elina
de Guimarães ( Escritora
e jurista
portuguesa, diretora
do Conselho Nacional das Mulheres
Portuguesas)
O
século XX carateriza-se pela existência de considerável número de
personalidades que, de algum modo, deixaram uma marca profunda na história de
Portugal e que devem ser conhecidas pelas novas gerações. Políticos,
revolucionários, cientistas ou artistas. Ao longo do tempo, houve homens e
mulheres que se destacaram e ajudaram a criar o mundo de hoje.
Uma destas figuras, talvez pouco conhecida
e esquecida, foi Adelaide de Jesus Damas Brasão Cabete, uma grande feminista e
militante na defesa da emancipação das mulheres nos vários movimentos e
iniciativas em que esteve envolvida. Destacou-se como pioneira da Medicina em
Portugal, lutadora pela República, pelos direitos das crianças e dos animais,
educadora, publicista, socióloga, humanista.
Nasceu na freguesia de santa Maria, de Alcáçova, concelho de Elvas,
durante a Monarquia, a 25 de janeiro de 1867. Filha de Ezequiel Duarte Brasão e
de Balbina dos Remédios Damas. A sua família de trabalhadores rurais
alentejanos de origens modestas não podia assegurar aos filhos uma educação
primária. Adelaide passou a maioria da sua infância e juventude trabalhando na
apanha da ameixa e exercendo tarefas domésticas em casas dos homens ricos.
Em 1886, aos dezanove anos, Adelaide de
Jesus Damas Brasão casou-se com o republicano Manuel Fernandes Cabete
(1849-1916), intelectual autodidata, sargento do exército, e adotou o seu
apelido. O matrimónio, em vez de a limitar, possibilitou-lhe crescer e escapar
ao analfabetismo. Graças ao seu marido, começou a estudar, podia desenvolver as
suas paixões e ultrapassar novas etapas do seu percurso profissional. O
casamento libertou-a, salientou o caráter dela, a sua força e coragem. Manuel
Fernandes deu-lhe, por assim dizer, a oportunidade de se tornar visível num
mundo maioritariamente composto por homens, a oportunidade que Adelaide
empregou perfeitamente. Apesar de não ter filhos biológicos, criou dois
sobrinhos, Maria (1873-1943) e Arnaldo Brasão (1890-1968).
Aos 22 anos, no ano 1889, Adelaide Cabete
fez o exame de instrução primária e matriculou-se no Liceu Central de Lisboa.
Sete anos mais tarde, ingressou na Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa. Em 26 de
julho de 1900, já com 33 anos de idade, concluiu brilhantemente o curso com a
classificação de 14 valores, defendendo a tese Proteção às mulheres grávidas pobres como meio de
promover o desenvolvimento physico [de
novas] gerações, assumindo-se
como a terceira mulher a cumprir Medicina em Portugal. Também no ano 1900 foi admitida como sócia da Sociedade de Ciências
Médicas de Lisboa. Durante o liceu, 119 dos estudantes eram do sexo
masculino e Adelaide era a única representante feminina. No curso de medicina,
a proporção era de 36 homens para duas mulheres (Adelaide Cabete e Maria do
Carmo Joaquim Lopes). Após a conclusão da especialidade, exerceu Ginecologia e
Obstetrícia no seu consultório em Lisboa, situado na Praça dos Restauradores.
Adelaide Cabete foi admitida em 1912 como
médica e professora no Instituto Feminino de Odivelas (conhecido popularmente
por meninas de Odivelas e tendo então o nome de Instituto Feminino de
Educação e Trabalho) onde regeu a disciplina de Higiene e Puericultura
(acompanhamento do desenvolvimento infantil) até 1929. Na
Universidade Popular Portuguesa dirigiu um curso com o mesmo nome.
No
ano 1914 foi fundado o Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, a mais
importante e duradoura organização feminista
da primeira metade do século XX em Portugal
e a única a subsistir para além da Primeira Guerra Mundial. O CNMP teve como principal dirigente Adelaide
Cabete, reeleita consecutivamente Presidente até à década de 30. A organização
manteve a sua atividade até 1947, quando o regime salazarista do Estado Novo
ordenou o encerramento.
O Conselho Nacional das Mulheres
Portuguesas tinha como objetivos melhorar a situação legal da mulher na
sociedade e na família, a eliminação da prostituição, o melhoramento da saúde
pública, a criação de gabinetes de consulta, a educação dos emigrantes, a
proteção das crianças contra os maus tratos, trabalhos pesados e abusos
sexuais. Em 1924, para celebrar o
décimo aniversário do CNMP, foi
organizado o Primeiro Congresso Feminista e da Educação no qual Cabete proferiu o discurso inaugural e apresentou 3
teses, entre elas um projeto de natureza pedagógica relacionado com A
Luta Anti-Alcoólica nas Escolas, que se tornou um marco fundamental na
Educação em Portugal.
Defensora da vida, considerando-a desde a
conceção e manifestou-se contra o aborto. Defendeu e praticou a proteção da
mulher pobre e das prostitutas a cujos problemas foi sempre sensível, combateu
a propagação das doenças infetocontagioso. Cabete lutou contra a ignorância,
contra os curandeiros e as superstições. Numa das suas publicações no Portugal
Feminino, no verão de 1930, mostrou-se contrária à importação da moda
feminina, criticando as saias curtas e recomendando o uso da saia até um palmo
do chão. Desencorajou o emprego de substâncias para emagrecimento e de dietas
que prejudicavam a saúde, debilitando o organismo.
A aviação, atividade nova naquele época,
também teve a ver com Adelaide Cabete.
Foi a primeira secretária da Assembleia Geral do Centro Nacional de
Aviação fundada em 1914. Ali prestou os seus serviços médicos, exercendo uma
profissão que foi considerada de alto risco.
No
campo político foi grande ativista republicana, patriota e defensora dos
direitos das mulheres. Desenvolveu intensa atividade militante a favor do
estabelecimento daquele regime político e pela dignificação do estatuto da
mulher, mostrando que o sexo não limita o ser humano. Foi ela quem, com duas
outras mulheres, em 1910 coseu e bordou
a bandeira nacional hasteada na implantação da República em Lisboa. Em 28 de agosto de 1908 Cabete participou na
fundação da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas (LRMP) que apoiou
a queda da monarquia constitucional.
No ano seguinte foi publicado o primeiro número da revista mensal A Mulher e
a Criança (1909-1911), órgão da LRMP. A Liga tinha como objetivos
defender a dignidade a emancipação feminina, especialmente das mulheres
socialmente mais desfavorecidas.
Como
sufragista militante em 1912 reivindicou o voto das mulheres. Em 1922 integrou
a Direção do Centro Republicano Democrático e em 1933 foi a primeira e única
mulher a votar em Luanda a Constituição Portuguesa. Depois da implantação da ditadura do Estado Novo(1926),
desiludida com a nova situação política, partiu em 1929 com o seu sobrinho
Arnaldo para Angola. Em Luanda, Adelaide Cabete abriu consultório médico, mas
continuou a colaborar com jornais locais e da metrópole. Regressou a Lisboa em
1934. Faleceu aos 68 anos de forma repentina, de ataque cardíaco, a 14 de setembro
de 1935 na sua residência de Lisboa. Está sepultada no Cemitério do Alto de São
João em Lisboa. Como mostra de reconhecimento recebeu postumamente a 10 de
Junho de 1995 a Medalha e Colar de Grande Oficial da Ordem da Liberdade. Foi
nomeada uma das "100
Figuras que moldaram o século" seleciondas pelo semanário Expresso,
na edição de 1 de junho de 2013.
Acho que com toda a certeza, Adelaide Cabete
merece todo o nosso reconhecimento. Esta mulher excecional, que honrou e
dignificou a mulher, tem todo o direito a homenagem e memória. Abriu caminho
para as gerações seguintes e mostrou que com o trabalho duro e a perseverança
tudo é possível. Inspirou as suas contemporâneas e pode servir como exemplo
para as mulheres de hoje.
Tudo
o que conseguiu na sua vida foi pela sua força de vontade, coragem, esforço e
enorme dedicação em tudo que fez. Nada lhe foi dado, não tinha a vantagem de
provir de uma família de classe alta, mas apesar de todos os obstáculos, de
origens humildes e simplesmente sendo mulher numa época em que o homem
dominava, triunfou. Soube aproveitar as oportunidades que lhe foram dadas e
aproveitou-a da melhor maneira que podia, ajudando outros menos afortunados e
atuando a favor de todas as portuguesas.
Tratou a sua educação que tardiamente
começou, e o seu desenvolvimento profissional de forma muito séria e com grande
devoção. Sistematicamente procurava ampliar os seus conhecimentos e melhorar a
sua formação. Tinha a necessidade de manter-se atualizada, era uma grande
leitora da imprensa nacional e estrangeira. A leitura regular foi um dos seus
hábitos do dia a dia. “Fiz os exames
do primeiro e do segundo grau aos 21 anos e já
depois de casada, e aos 33 estava médica.
Vê-se por isso, que não estudava a brincar nem
para me divertir”. Adelaide Cabete, A
Província de Angola,17
de agosto de 1932
Cabete
tinha ideias progressistas, avançadas para a época em que vivia. Não foi uma
personagem de seu tempo mas de vanguarda. Na sua opinião, as mulheres tendo as
mesmas capacidades que os homens, deviam ter também os mesmos direitos e
liberdades. Acreditava na dignidade, igualdade e na independência feminina.
Lutou pelo direito de trabalho digno e bem remunerado para as mulheres.
Procurou advogar a causa das mais necessitadas e denunciar as injustiças.
Aplaudiu o encerramento de tabernas e manifestou-se contra a violência nas
touradas ou o uso de brinquedos bélicos.
Destacou-se também pelo grande sentido de
humor e tratava com distância as críticas, tanto do seu aspeto físico como do
seu caráter e trabalho. Adelaide não mostrou sentir-se ofendida com o que
outros pensavam dela e não os deixou menosprezar os seus esforços para mudarar o mundo.
Sem dúvidas, por detrás desta grande mulher
houve um homem igualmente grande. Manuel Fernandes Cabete não limitou a sua
mulher, não a reduziu somente a dona de casa fechada em casa. Pelo contrário,
despertou nela a curiosidade e vontade de descobrir e conhecer as múltiplas faces do mundo.
Partilhava com ela as tarefas diárias da casa, o que na época não era a norma.
O
marido de Cabete foi uma figura extraordinária, um homem que contra todas as
crenças e estereótipos daquela época, tratava, não só a sua mulher, mas todas,
como iguais a si mesmo. Juntos formavam um par que se complementava e pode
servir como casamento exemplar até aos nossos dias.
Fontes e
Bibliografia:
- Lousada
Isabel, Adelaide Cabete (1867-1935),
2010
- Lousada Isabel, Da
presença feminina nas Letras & Ciências:
o pioneirismo de Adelaide Cabete
- Adelaide Cabete, HOMENAGEM A
UMA MULHER (Diálogos com Helena à beira-rio), http://www.triplov.com
- Associação de Professores de História, http://www.aph.pt
- Associação República e Laicidade, http://www.laicidade.org
- Dicionário de Médicos Portugueses, http://medicosportugueses.blogs.sapo.pt
- http://www.institutodivelas.com
- http://odivelas.com
Urszula Półkosznik
1º
ano de mestrado em Estudos Portugueses
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