Ecce árvore!
Eram 9 da manhã. Nenhum raio de sol,
nenhum sorriso nas caras dos pedestres na rua. Naquele dia, Lublin era mesmo
muito feia. Não estavam mais que 4 graus acima de zero, nem havia esperanças
que a Primavera cedo chegasse. Mas o que mais importava, era a chuva constante
que não parava! Estava a chover para caraças! Já disse como detesto a chuva? Aquele
líquido repugnante que descaradamente costuma cair no chão, sem qualquer
permissão, e que não nos permite pensar logicamente? Pronto. Além disso não
trazia comigo nenhum guarda-chuva. Nunca trago, mas a razão é muito óbvia.
Simplesmente não posso descer ao nível da chuva, tentando lutar com ela como se
eu fosse um Don Quixote que achava que poderia ganhar contra os moinhos de
vento. Que tola que era... Mas pronto. Ainda faltavam muitos metros ou até quilómetros
para atravessar estas flutuantes e mega sujas ruas de Lublin, por isso
precisava, mas precisava mesmo de um plano que me ajudasse a sobreviver neste
momento traumático.
Decidi então pensar,
ou seja, fingir que realmente não sentia que o meu sapato esquerdo estava
completamente encharcado. Que porreiro! - pensei ironicamente, mas pelo menos
pensei! Então o meu plano começou a funcionar. Só faltava mudar o curso do meu
pensamento, encontrar um pretexto! Sim! Mas mais três passos e o sapato direito
compartilhou o destino desprezível do primeiro. Já navegavam alegremente
juntos, como se estivessem nas profundezas do oceano. O meu cabelo também
estava totalmente molhado. Por um segundo até pensei que com este ar, poderia atuar
na cena mais dramática do naufrágio do Titanic. Só me faltava uma porta velha e
um Jack congelado, a quem poderia deixar no centro de uma poça de água. Mas
pronto, já tinha chumbado nos exames de admissão para a escola de teatro, então
era melhor deixar este assunto e não me meter mais no papel de actriz. Decidi,
portanto, começar a cantar! Isto não quer dizer que canto como Whitney Houston
ou Celine Dion, a verdade é que acho que nem chego até às habilidades vocais da
Britney Spears (penso que tenho mais ou menos o nível vocal do vocalista da
banda polaca Weekend), mas naquele
momento isso não importava. Outra quantidade de água, que de repente caiu a
partir de um telhado, impulsionou esta maravilhosa ideia de cantar. Fooo...
força menina! - gritou alguém na minha cabeça! Uma voz muito optimista, mas
provavelmente de alguém que já tinha bebido pelo menos três cafés e estava
deitado na cama quentinha, com um livro de Dostoyevski... A minha mãe sempre me
disse: quem não arrisca não petisca! Assim comecei pela música do meu
repertório quotidiano, tipo Yesterday dos
The Beatles ou Kolorowe Jarmarki, mas não conhecia mais que cinco versos de cada
uma. Além disso, o sentimento terrível da água constante não me deixava.
Resolvi então, concentrar-me mais e assim alienar-me dos meus problemas. Lembrei-me da
melhor época da minha vida, ou seja, da minha infância, quando costumava criar
as minhas próprias canções com as letras maravilhosas que agora seguramente
figuravam no top da música pop. Nem 10 anos tinha, quando produzi as minhas
primeiras canções com os meus próprios direitos de autor. Eram em inglês, mas
ninguém me importava com o facto de que só quando tinha 12, é que comecei a
estudar este idioma. Ah, que memórias... Mas pronto, de volta ao tópico, como
já posso dizer que o meu português não é nada mau, decidi criar uma música com
aroma lusitano. Mas as primeiras palavras que surgiram na minha cabeça foram: Já está tudo preparaaado, e logo algo do
tipo: Piri, pipire, pire piradinha, Ela
tá maluca ela tá doidinha! Não vejo nenhum mal na música brasileira mas só
quando estou no mode Erasmus. O sol
algarvio, as brasileiras em biquíni (os brasileiros também) e a caipirinha na
mão. Infelizmente estas memórias não se encaixavam de todo na paisagem de
Lublin no inverno. Por isso decidi procurar mais algumas músicas, digamos,
europeias e finalmente optei pela minha fadista favorita, quer dizer, Mariza.
Mas que tristeza! Quando comecei a cantar os primeiros versos da sua música,
dei-me conta de que o título dela era Chuva!
Imediatamente apercebi-me que não havia outra chance senão regressar aos tempos
de infância e começar a criar algo por mim própria, algo totalmente novo,
fresco e criativo! Gostei tanto desta ideia que até decidi fechar os olhos.
Pois, diziam-me sempre que isso ajuda na criatividade, e eu precisava, desesperadamente,
de uma inspiração forte! O único problema era que naquele momento estava no
caminho, no movimento constante, rodeada de pessoas e de outros objetos esquisitos.
Mas mesmo assim, decidi arriscar, pois quem não arrisca... (amo-te mãe! Beijinhos!).
Então, fechei os olhos. O primeiro sentimento foi mesmo agradável, senti-me
como se me encontrasse com uma musa da inspiração, parecida com as mulheres
pintadas por Boticcelli, loira, gira com o cabelo grande, andando num cavalo
branco e correndo na minha direção. Que prazer! Que beleza! Que inspiração! De
repente as palavras começaram a surgir na minha mente sem nenhum esforço.
Naquele momento senti-me quase como uma poetisa! Agoraaa, la la la, a razão vaaaai
obviamente, la la la, reganhar energias! - comecei a cantar com uma paixão
indescritível! Até me senti muito inteligente! Mas a impressão seguinte foi
apenas a dor enorme provocada por uma pancada na minha testa. No início pensei
que foi um cavalo que não conseguiu abrandar e assim bateu-me na cara com um enorme
ímpeto, mas quando abri os olhos, reparei apenas numa árvore enorme. Que diabos é isto?
Uma árvore no meio da calçada? Perfeito. Acho que às vezes se exagera um pouco
com esta ecovida design, tentando ter
mais forças que a própria natureza, e achar que se pode interferir nela,
plantando uma árvore no meio da calçada, como se esta árvore pobre e solitária
pudesse ser feliz por lá estar. Mas, este não é o momento adequado para me
debruçar sobre os direitos humanos de intervir na natureza. Por causa da dor
que se espalhava por todo o corpo, fiquei imóvel durante alguns bons minutos. E
não sei porquê, mas a cada segundo olhava para esta árvore com um fascínio
maior. Ecce homo – disse uma vez
Pôncio Pilatos, mas eu mais diria: ecce árvore!
Sorri para mim mesma. A chuva terminou. Até o fraco sol de inverno, surgiu por detrás
das nuvens. Por uma última vez olhei para a minha árvore e decidi voltar diretamente
para casa. Durante todo o caminho cantei a minha música mágica, criando novas
melodias, mas sem mudar a letra.
Quando entrei em casa, peguei numa caneta e
escrevi o texto todo: AGORA RAZÃO VAI OBVIAMENTE REGANHAR ENERGIAS, Agora -
Razão – Vai - Obviamente – Reganhar – Energias, A (gora) R (azão) V (ai) O
(bviamente) R (eganhar) E (energias). Ecce
ARVORE! – gritei. A partir daquele momento, realmente comecei a apreciar a
chuva. Também decidi que se a minha carreira de grande cantora não der certo, tornar-me-ei
filósofa ou poetisa e começarei a plantar árvores (mesmo no meio das calçadas).
Joanna Dudek
1º ano de mestrado em Estudos Portugueses
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