Yana Andreeva no Centro de Língua Portuguesa/Camões em Lublin

Nos dias 19 e 20 de maio de 2015 a Dra. Yana Andreeva da Universidade de Sófia Sveti Kliment Ohridski proferiu no nosso Centro duas paletras subordinadas ao tema: O Teatro de José Saramago: entre a História e o Mito.

"A figura de José Saramago (1922-2010) foi uma das figuras mais imponentes entre a intelectualidade europeia e mundial das últimas décadas, não apenas pelo projeto estético que a sua escrita defendia, mas também pelo projeto ideológico que a sua presença ativa de humanista militante fazia chegar à sociedade internacional por todas as vias que lhe eram possíveis, desde a intervenção nos mais diversos fóruns, passando pelas muitas entrevistas e chegando ao blogue que mantinha nos últimos anos da sua vida.  A grande realização criativa de Saramago projeta-se no terreno do romance, mas o seu teatro, embora de produção mais parca, contando com apenas 5 títulos, não é menos merecedor de atenção, por apresentar interpretações originais de diversas épocas da história portuguesa e europeia, projetadas no presente, e por oferecer a visão da dimensão humana da história através de personagens magistralmente elaboradas.
Saramago explica a sua tentação pelo teatro com uma necessidade intrínseca de usar a forma dramática para levar didaticamente ao palco a sua mensagem. Todas as suas peças foram escritas a partir de encomendas que lhe foram endereçadas por gente de teatro ou por instituições culturais, justificando-se assim que a escrita dramática tenha representado para  Saramago um desafio. Talvez por isso o autor seja ambíguo, ao avaliar o seu desempenho como dramaturgo, em vários textos de depoimento pessoal, que aqui serão evocados.
Com o objectivo de evidenciar as linhas de força que permeiam a dramaturgia de José Saramago, apresentam-se, por ordem cronológica de escrita e publicação, as cinco peças do autor, focando os seus argumentos, estrutura dramática, tempo e espaço da ação, personagens e conflitos, assim como os aspetos temáticos mais relevantes, como a seguir se indica:
A Noite (1979): a censura nos média; o intelectual e o poder; a liberdade de consciência e de expressão; o discurso de esquerda entre a intelectualidade contemporânea; o  compromisso do intelectual com a verdade.
Que Farei com Este Livro? (1980): a liberdade de pensamento e de expressão; a censura inquisitorial; os compromissos da escrita literária; as relações de produção no meio cultural e literário, a reinterpretação do mito camoniano; o destino da literatura e seu papel na sociedade moderna
A Segunda Vida de Francisco de Assis (1987): o discurso do poder e a perda de sentido das palavra; a integridade moral e a luta pelo poder; a pobreza: ideia fundadora da doutrina cristã e da prédica franciscana, a cruzada a favor da pobreza e contra a riqueza; a dessacralização do mito cristão da pobreza pela reversão ideológica do conceito da pobreza; a substituição do mito cristão da pobreza pelo mito humanitário da erradicação da pobreza; a denúncia social e humanitária do atual estado do primeiro mundo, da crise de valores da sociedade de consumo contemporânea, do desrespeito, sob o disfarce dos procedimentos democráticos, das regras éticas de base.
In Nomine Dei (1993): a sede de justiça; a brutalidade e a falta de sentido da violência; a fé, a credulidade e a esperança; a utopia igualitária como pretexto para praticar o fanatismo e a violência; o homem  dominado pelo homem num mundo entregue às forças irracionais.
Don Giovanni, ou o Dissoluto Absolvido (2005): a perda da memória do passado como privação de identidade; o inferno metafísico e o inferno humano; a expiação, com a desonra pública, dos pecados coletivos; a hipocrisia social; a humilhação do homem pelo homem, a vingança e a compaixão; a experiência lúdica como instrumento de desmitificação de ideologias dominantes e poderes estabelecidos. As análises e reflexões formuladas neste ciclo de conferências permitem evidenciar que a produção dramatúrgica de José Saramago se apresenta no seu conjunto como um teatro ao mesmo tempo político e existencial, teatro de ideias e de emoções, revelador de profundas contradições éticas e sociais. Todas as peças centram a ação em torno de um conflito que opõe formas de pensar e de agir entre si irreconciliáveis. Os textos aproveitam personagens e momentos conhecidos da história portuguesa e europeia, retomando tematicamente as relações entre conhecimento e alteridade, a que atribuem uma forte implicação temporal. O denominador comum da dramaturgia de Saramago é a sua insistência em trazer para o presente, reconvertendo-os, os exemplos históricos, culturais ou mítico-fabulares pelos quais o autor sente um inegável fascínio. O sentido da reinterpretação das figuras e acontecimentos que configuram o universo dramático saramaguiano é a atribuição, a essas figuras e a esses acontecimentos, de uma profunda dimensão humana que explicita, aos olhos do leitor, o projeto ideológico de José Saramago." Yana Andreeva*

*Yana Andreeva é Professora Associada no Departamento de Estudos Ibero-Americanos da Faculdade de Letras Clássicas e Modernas da Universidade de Sófia Sveti Kliment Ohridski, na Bulgária. Leciona cadeiras de Literatura Portuguesa e Literatura Brasileira. Doutorou-se em Literatura Portuguesa Contemporânea com a tese “A escrita autobiográfica na obra de Fernando Namora” (2006). É autora de três livros sobre escritores e temas da literatura portuguesa contemporânea, de numerosos prefácios e artigos, organizadora de três antologias da Literatura Portuguesa e de vários volumes coletivos, dedicados a temas na área dos estudos do mundo lusófono.

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