Vizinhos

Os vizinhos são como a família, não se escolhem. Ou, pelo menos, é assim na maioria dos casos. Com certeza cada pessoa já teve o prazer duvidoso de viver ao lado dum indivíduo que lhe diversificava a vida e lhe fornecia emoções numerosas e lembranças inolvidáveis. No prédio onde mora a minha família normalmente não há muitos problemas entre os residentes. Às vezes ocorrem alguns conflitos pequenos mas, em geral, a gente é simpática e tranquila. Mas nem sempre foi assim. 
  Lembro-me que há uns anos, vivia lá uma família bastante interessante, um casal com uma filha e um cão que ladrava sem parar e de que todos tinham medo. O pai não trabalhava, porém quase nunca estava em casa. Passava a maioria do tempo num banco com os seus colegas e com uma, ou mais, latas de cerveja na mão. Quando regressava para a casa depois dos encontros sociáveis mais intensivos, todos os vizinhos podiam ouvir o que na verdade a sua esposa pensava sobre ele. O estrépito alto e forte da porta assinalava que o espetáculo tinha acabado e os vizinhos podiam deixar de escutar às portas e voltar às suas tarefas. Ao contrário da sua mulher, o homem nunca usava palavrões e independentemente de estar sóbrio ou não era muito amável e estava sempre de bom humor. Às vezes não tinha permissão para entrar no seu apartamento e tinha de passar a noite na escadaria. Depois de passar umas horas no chão duro e frio, cumprimentava os seu vizinhos com um sorriso enorme e parecia o homem mais feliz no mundo. A sua mulher, apesar de ter o caráter muito mais forte do que ele tinha também o lado sensível. Todas as manhãs, ou as madrugadas, ouvia música clássica. Acho que o seu cão partilhava a sua paixão porque durante estes concertos matinais mostrava um talento tão grande que o próprio Andrea Bocelli podia ter inveja dele. Não sei se seria pelo cão perigoso ou pela coleção enorme de lixo que tinham na varanda, mas a filha adolescente dos meus vizinhos recebia sempre visitas na cave. Talvez ela e os seus amigos gostassem dos lugares escuros e húmidos ou pertencessem a uma seita. Eu nunca me atrevi a perguntar, mas julgando pelos vestuário preto e pela maquiagem escura deles tudo era possível. Com certeza, nunca podíamos aborrecer-nos graças a esta família tão original, mas não posso dizer que quando mudaram de casa, os restantes residentes estavam com saudades deles. 
Urszula Półkosznik  2º ano de Filologia Ibérica

 Antigamente vivíamos em pequenas tribos no meio da floresta. Todos que habitavam na mesma povoação eram os parentes ou primos e todos se conheciam. Apesar disso, nem todos queriam, nem sabiam, conviver no mesmo espaço, mas todos eram os seus vizinhos. Hoje em dia geralmente não vivemos no meio da floresta, a menos que sejamos guarda-florestal. Infelizmente, nem sempre temos a possibilidade de não ter os vizinhos ou de escolher quem é que serão os nossos vizinhos. Quase 70% das pessoas na Polónia mora nas cidades e a maioria vive nos prédios construídos durante a época do comunismo ou até mesmo antes do comunismo (para não enumerar os que formam uma parte de paisagem urbana mesmo de antes da I guerra mundial). Tudo isto faz com que os nossos vizinhos, quer queiramos, quer não, sejam as testemunhas da nossa vida. Embora nos separe a parede, há situações em que são só os olhos que não veem, mas os ouvidos registam tudo. Por isso, há um provérbio que diz: “as paredes têm os ouvidos”. Os vizinhos são um tema comum das piadas e zombarias. Mas nem sempre é assim, nem sempre os vizinhos são o alvo da crítica.
   Łódź: Uma cidade feia onde tudo que não se encontra na rua Piotrkowska ou Narutowicza é cinzento e lembra a época do século XIX e dos princípios da urbanização e desenvolvimento das manufaturas têxteis. A cidade onde um pequeno chuvisco paralisa os transportes públicos e os elétricos andam à velocidade da luz. Nesta cidade no meio do inverno uma mulher, de alguns 70 anos, num dia cinzento e frio entregou-me umas luvas feitas de tricô. Deve ter observado que as minhas tinham muitos buracos e o inverno era muito severo. E dedicou o seu tempo para ajudar uma estudante que cruzava nas escadas durante alguns meses. O coração não tem de ser cinzento, nem de se paralisar com um pequeno chuvisco.
   Białystok: Uma cidade multicolorida e caótica. Onde tudo está em obras constantes, mas nada é feito. A cidade que adora dançar e cantar, mas não sabe realizar um trabalho do dia a dia. Nesta cidade vivem muitas pessoas que provêm da região do Cáucaso. Uma destas famílias morava numa casa que se encontrava ao lado da minha. Naquele tempo o meu apartamento tinha muitas fechaduras e num dia os meus amigos fecharam uma para a qual não tinha a chave. Portanto, entrei no prédio, mas não podia entrar em casa, então sentei-me nas escadas, cansada, desesperada, sem saber quanto tempo precisaria de esperar até que alguém voltasse. Pouco depois abria-se a porta do apartamento do lado e uma mulher vestida de preto, com os olhos pretos e cabelo preto, falando um polaco muito fraco convidou-me para um chá. O coração não tem de ser preto, nem de se fechar com muitas chaves.
  Kuźnica: Uma vila cujos dias da glória já ficam para atrás. Depois da II guerra mundial, quando foi bombardeada pelos nazis, o único que se desenvolve nesta vila são o cemitério, as mercearias e o contrabando dos cigarros, do álcool e das drogas. Nesta cidade vive o meu vizinho Wladyslaw. A sua casa foi construída numa cave onde tinha caído uma bomba. O meu vizinho passa a maioria do seu tempo à janela. A janela não está vazia, pois no peitoril está sentado um fiel companheiro, o cão Azor. Num dia o Wladyslaw não apareceu à janela. No dia seguinte tampouco. Os vizinhos, que de vez em quando visitavam o Wladyslaw na sua casa, normalmente passavam pela sua casa indo fazer compras. Se fazia calor, a janela estava aberta e paravam para falar um momento com ele. Se fazia frio, só acenavam e trocavam um sorriso. Mas neste dia quando o Wladyslaw não apareceu, todos ficaram preocupados e o visitaram. Wladyslaw adoeceu e pouco depois recuperou a força. O poder do sorriso é maior do que milhares de bombas. Na Polónia há muitas cidades e muito mais vilas e aldeias. Todos temos e somos vizinhos, mas quando vemos algum deles triste dizemos: É só o meu vizinho, isso não é problema meu? 
Anna Kułak 2º ano de Filologia Ibérica

 Como o emprego das inocentes palavras "bom dia!" podem provocar mesmo as perturbações nervosas.
   Quando era pequena e passeava com a minha mãe, ensinou-me a dizer "bom dia" aos vizinhos cada vez que ela o fizesse, o que era muito confortável, porque bastava que eu repetisse. A situação complicou-se no entanto quando andava sozinha e tinha que afrontar todas estas caras que sempre me surpreendiam aparecendo de repente na rua em frente de mim, assomando-se à janela ou espreitando na escuridão da escadaria. Eram todas caras familiares, que deveria reconhecer sem hesitação nenhuma. Porém esta exigência inquietava-me, porque quase nunca conseguia acertar por acaso no meu jogo de quem era quem? Passava por eles inconsciente de que estes rostos pertenciam aos mesmos donos cujas vozes ouvia todos os dias atrás de parede. Só um rosnido de desaprovação me informava que eram eles mesmos. Os meus óculos não chamavam a atenção, porque isso não era nada excecional. Talvez se andasse apoiando-me numa bengala branca ou acompanhada de um cão-guia, isso teria sido a prova evidente da origem da minha conduta. No entanto via demasiado bem para usar a bengala, mas ao mesmo tempo não bastante para poder vislumbrar quem está no lado oposto da rua. A minha mãe dizia-me que cumprimentasse qualquer um que visse no nosso prédio, o que também não esclareceu a minha confusão. Seguindo esta regra dizia gentilmente "bom dia" às minhas colegas e gritava "olá!" aos vizinhos idosos. Desta maneira consegui fazer que os primeiros se fartassem de rir enquanto os segundos consideravam que eu me ria deles. 
  Quando cresci, decidi que tinha que acabar com esta palhaçada e que se calhar seria melhor não dizer simplesmente nada. Pensava também sair depois de averiguar se o corredor estava vazio. Mas o que fazer com os encontros na rua? O meu irmão aconselhou-me que só lançasse os olhares raivosos. Pelo menos teriam medo de ti, achava. Mas como apesar de tudo era uma criança cortês, não queria que me temessem. Tentava agarrar-me a um pormenor que me ajudasse a reconhecer estas pessoas. Por exemplo o vizinho de em frente saía sempre para o trabalho com um saco enorme e ocupava todo o espaço andando pela escada. A vizinha do andar de cima tinha o cabelo de cor do vinho maduro, muito chamativo. E havia também um senhor idoso, muito afeiçoado ao seu cão grande, que o acompanhava para todas as partes e ladrando anunciava que se estavam a aproximar. No entanto, bastou que o vizinho aparecesse na rua sem o seu saco ou que a senhora de cima mudasse o penteado, e já voltava eu ao ponto de partida. Havia também outras circunstâncias, exteriores que decidiam que um vizinho passaria desapercebido/desrespeitado (depende do ponto de vista). As precipitações enfraquecem a visibilidade não só na estrada. Era exatamente numa tarde invernal e escura, quando empapada de neve entrei na loja do bairro e com os sapatos pesados pisei o rabo do cão do vizinho. O pobre animal uivou tão comovedoramente que ainda inconsciente do meu feito cruel, pensei que tinha sido o alarme. O vizinho não disse nada, porque era um homem educado, mas a repreensão no seu olhar, cada vez que nos cruzávamos, era tão visível como o saco enorme ou a cor estranha de cabelo. Atualmente, não consigo seguir as mudanças pessoais na minha escadaria. Cada vez que descubro uma cara que acho nova, afinal já aqui mora desde antes do meu nascimento. Percebo que por isso sente-se obrigada a rosnir e torcer a cabeça quando não a honro com o cumprimento. Só há um novo vizinho que não conhece a minha “fama” e então não considera inconveniente dizer-me Bom dia. Também eu sei reconhecê-lo sem sombra de dúvida, pois ele é preto. 
Kamila Wiśniewska 2º ano de Filologia Ibérica

Comentários

  1. Gosto muito da primeira história :D

    ResponderEliminar
  2. Textos extremamente bem escritos, parabéns às autoras! Apresentam um nível de domínio linguístico bastante elevado, elaborado e um tanto literário o que é de valorizar bastante uma vez que ainda só estão no 2º ano do curso. Isto mostra que há gente bastante empenhada e dedicada em aprender a língua deste pequeno país na ponta da europa.
    Cumprimentos

    ResponderEliminar

Enviar um comentário

Mensagens populares deste blogue

Punk rock exótico. História do punk em Portugal.

Tascas de Portugal

Arte Luso-oriental e Indo-portuguesa