Quim Barreiros, o génio da letra

A Polónia tem Bracia Figo Fagot, Espanha tem Leonardo Dantés, Portugal tem Quim Barreiros. Cada um tem o seu. Mas isso não significa que todos sejam iguais. Pois é, Quim Barreiros é único. O artista minhoto já de pequeno estava ligado ao mundo de música. Aos oito anos começou a aprender a tocar acordeão. Um ano depois já fazia parte da banda do seu pai chamada Conjunto Alegria em que tocava bateria. Fazendo parte de vários grupos folclóricos, despertou então o seu interesse pela música popular e folclórica.  Mas o pequeno Quim demorou 15 anos para demonstrar a todo o mundo os seus grandes dotes musicais.  Nos anos 1968-74 cumpriu o serviço militar ao serviço da Força Aérea Portuguesa, em que tocava na famosa Banda da Força Aérea. O serviço militar não o impediu de desenvolver a sua paixão musical. Naquela altura mudou-se para Lisboa onde teve oportunidade de atuar nas principais casas de fado e restaurantes típicos. Fez então muitas amizades, com o famoso guitarrista Jorge Fonte, entre outras, que depois tiveram muita influência na sua carreira. Com o lançamento do seu primeiro disco (em 1971) começou um novo capítulo na música universal.  Já nada era igual. Surgiu um novo ponto de referência. O músico batia às portas da fama...
Joaquim de Magalhães Fernandes Barreiros, pois este é o seu nome completo, é um artista muito fértil. No entanto, os primeiros vinte anos da sua carreira não anunciavam esta multiplicidade artística. O cantor lançou então três álbuns por década o que não ultrapassava a norma dos músicos daquele tempo. Mas com a chegada dos anos noventa começou em pleno a era do King Barreiros que continua até aos dias de hoje. O artista passou a lançar até três CDs por ano.
A sua música tem a força que une todas as gerações. Ele está presente nos palcos durante festas folclóricas, mas também a sua presença é obrigatória nas Queimas das Fitas. O seu público é bem diversificado mas ouve a sua música com o mesmo objetivo: à procura da alegria. Quim Barreiros atuou em quase todos os países onde existem comunidades portuguesas, tais como o Canadá, E.U.A., Venezuela, Brasil, Bermudas, África do Sul, Namíbia, Austrália, Espanha, França, Suíça, Bélgica, Alemanha, Andorra, Inglaterra, e muitos mais, sendo assim uma espécie de embaixador da música popular no estrangeiro. O seu caminho para o sucesso foi marcado por muitos sacrifícios. Numa entrevista o artista confessou que no princípio da sua carreira não tinha grande apoio por parte dos seus próximos. Ao mudar-se para a capital, mudou tudo. Sem dúvida, grande parte do seu sucesso deve-se à sua humildade e honestidade. Ao longo destes anos foi fiel ao provérbio “devagar se vai ao longe”.
A música portuguesa, por razões óbvias, associa-se com sentimentos de nostalgia, tristeza, saudade. Há muito poucas canções que sejam verdadeiramente alegres. Isso mesmo se reflete em cada composição de Quim Barreiros. A sua grande figura indica-nos o caminho de alegria. Diz-se que a música pimba são letras de duplo sentido. Acho que Quim Barreiros até acrescentou mais um. Pois ele faz também uma análise profunda dos seus compatriotas. As suas canções estão cheias de referências simbológicas. À primeira vista salta o contexto principal, ou seja, a cara grosseira da letra. Mas ao aprofundarmos na leitura (ou audição) das canções do Quim Barreiros podemos encontrar outra mensagem contida. Isso mesmo, há que ler nas entrelinhas.

Uma das suas canções mais conhecidas (aliás, é o tema adotado dum cantor brasileiro) é a esplêndida Garagem da Vizinha. É a composição auge na obra do Quim Barreiros em que conseguiu juntar um sem-número das qualidades dos portugueses. Já na primeira estrofe o autor refere-se à bondade do povo português. Falando da sua vizinha que lhe ofereceu a sua garagem destaca a solidariedade da sociedade que estende a sua mão aos que necessitam ajuda. A magnanimidade do sujeito lírico é inegável. Ela é uma personificação da beleza o que corresponde perfeitamente à imagem da mulher portuguesa. Quim Barreiros faz aqui também uma descrição da sociedade que tem de enfrentar as dificuldades do dia a dia, tais como a garagem pequena que apenas chega para caber um carro. Além disso, o autor aborda a questão da confiança ilimitada e hospitalidade que os portugueses mostram perante os outros que é exprimida no refrão: Ponho o carro, tiro o carro, há hora que eu quiser! Em contrapartida, há que sublinhar que o cantor não conseguiu fugir do tópico da solidão, pois, a vizinha está morando sozinha. É ,se calhar, a influência de fadistas com quem Quim Barreiros costuma tirar fotos.
Outra canção que mostra o lado solidário da sociedade é Vou Comer C´os Velhos. É uma descrição de diferenças geracionais onde Quim Barreiros é uma espécie de intermediário entre os jovens e velhos. O artista sente, portanto a necessidade do diálogo entre ambas as gerações, considerando-o imprescindível para o futuro da nação.
Outro tema de destaque na obra do Quim Barreiros é a cozinha portuguesa. Na canção Bacalhau à Portuguesa a influência da gastronomia nacional é bem evidente. O artista presta homenagem ao peixe-rei exaltando as suas maravilhosas qualidades. Como é sabido, existe um sem-número de maneiras de preparar bacalhau. Não há duas que sejam iguais. Cada mulher confecionando-o dissipa o cheiro do seu prato pela sua casa. Então cada cidadão quer prová-lo. É como na canção onde todos estão ansiosos por cheirar o bacalhau da Maria. Temos aqui uma imagem da sociedade portuguesa em que a cozinha tradicional ocupa uma posição central. Nas palavras Diz-me se é da Noruega ou aqui de Portugal o autor realça a abertura dos portugueses para os estrangeiros, isto é, um aspeto associado sempre ao povo lusitano.
A canção com o título um bocado erróneo que é Chupa Teresa! também desenvolve o tema relacionado em parte com a gastronomia. À primeira vista as coisas parecem ser evidentes, mas muitas vezes, as aparências iludem...O artista mostrou de novo a sua excelência de uso de palavra e conseguiu conter na letra uma mensagem escondida. É uma história de um vendedor de gelados. O cantor relembra que comer fruta faz parte duma alimentação saudável. A resposta da sociedade é muito boa, pois As garotas do meu bairro vêm todas chupar aqui!
Quim Barreiros serve-se das suas canções também para homenagear algumas profissões, como é no caso de Ser Bombeiro ou Padeiro. Apesar de serem atividades mal pagas, a sociedade dá mostras de muito respeito perante as pessoas que as exercem. O autor fala das dificuldades que têm de enfrentar trabalhando de noite ou como voluntários.
Para além das tradições e caraterísticas dos portugueses, mostra uma grande preocupação pelos problemas sociais. Na canção Qual é o melhor dia p´ra casar o artista aborda a questão da baixa taxa da natalidade. Aproveitando os seus dotes e autoridade tenta despertar no povo português o sentido de dever. A mensagem transmitida é esta: quanto mais matrimónios, mais crianças. O autor fala também da grande força do amor e que nem falta o consentimento dos pais para ganhá-lo. É simplesmente imparável.
Os grandes acontecimentos históricos de Portugal também não passaram despercebidos pelo artista. Uma Virgem refere-se obviamente ao Milagre de Fátima. É um relato feito por um dos pastores que eram testemunhas da maravilhosa aparição. Ao ver a Virgem ele ficou quedo e mudo, o que prova a atividade de forças sobrenaturais.
Outro acontecimento de muita relevância é a famosa exposição internacional eternizada na canção Marcha da Expo´98. O músico mostra o seu orgulho pelo país relembrando a era dos Descobrimentos e a beleza de Lisboa. É um tipo de ode ao louvor de Portugal. Evidencia o lado muito patriótico do cantor.
É de destacar que ao longo da sua carreira, Quim Barreiros nunca mudou da sua imagem (com a exceção dos tempos do primeiro disco quando aparecia sem bigode). Parece que é resistente ao passar do tempo o que atribui à sua música um cunho de eternidade. No entanto, a imagem da música pimba mudou bastante. Nos últimos anos surgiram grupos como Homens da Luta que também se enquadra nesta vertente musical. Mas parece que o único vínculo entre ambos os artistas é a referência musical. Quanto às letras, a situação é bem diferente. Enquanto Quim Barreiros consegue fugir consequentemente da política nas suas canções, os Homens da Luta servem-se dela como de um poço infinito de ideias. Mas julgo que o seu objetivo não é tanto dar alegria ao público, mas servir como alívio na época da crise. Há quem diga que a música de Quim Barreiros é para malta “rasca”, mas acho que o seu contributo para a promoção da cultura e tradição portuguesas mascara todas as suas imperfeições. Sendo um artista arraigado profundamente na sua sociedade e dedicado inteiramente ao povo, sem sombra de dúvida, merece um grande respeito.

Pawel Nowak
1º ano mestrado em Estudos Portugueses

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