Dois dedos de conversa com... Michał, luthier.


Chama-se Michał, tem 30 anos, é de Białystok. Estudou em Lublin mas agora vive e trabalha em Varsóvia. É uma pessoa normal, psicólogo. O que o faz extraordinário é o seu passatempo que está a converter na sua nova profissão. É um luthier, faz instrumentos de corda. Para ser mais concreto – um tipo de instrumento com seis (ou sete) cordas e caixa-de-ressonância, parecido ao violoncelo, mas com trastos. Uma viola da gamba, instrumento barroco com som muito agradável, mas não tão popular como o violoncelo ou contrabaixo – algo a meio caminho entre estes dois.


Michał não tem nenhuma preparação profissional para isso. É um luthier autodidata. A ideia de fazer instrumentos nasceu num festival da música folclórica em Lublin onde viu um homem com instrumentos feitos de madeira, de latas, de peças metálicas... Tinham forma estranha, mas produziam som, mesmo uma melodia gira. Isso mostrou-lhe que se pode fazer uma coisa dessas por si mesmo. Assim começou a pensar em fazer algum instrumento parecido, a verdadeira viola da gamba, só para poder aprender a tocar e praticar. Sempre quis ter uma, mas isso era impossível por causa do preço. Os instrumentos deste tipo são muito caros, o preço chega até alguns milhares de euros.
Não sabia nada de acústica nem como construir instrumentos. No entanto, em dois meses conseguiu fazer um instrumento que apesar da falta de aparência da viola, soava exatamente como ela. Tudo teve lugar na cave da sua casa em Białystok, onde Michał passava todo o seu tempo livre, às vezes saindo só para comer e beber.
Hoje reconhece que o seu objetivo foi fazer algo que tivesse som, não esperava mais. E já tendo um protótipo podia praticar. Graças a ter um ouvido muito bom (ou seja, absoluto) não tinha problemas com isso. Aprendeu a tocar e continuou praticando com a viola feita por ele durante seis anos. O instrumento tinha um aspeto um pouco estranho, em vez de colar as peças, Michał juntava-as com parafusos o que deu ao instrumento o ar de estilo steampunk. Não foi envernizado mas depois de alguns anos foi pintado tal como uma das guitarras de Eric Clapton.
Durante esse tempo na cabeça de Michał crescia uma nova ideia, fazer outro instrumento, mas já de maneira como deveria ser feito. De maneira, digamos, profissional. Pesquisou informações na internet, recolheu dados, viu as fotografias. Não podia perguntar a alguém diretamente como se faz certas coisas, porque na Polónia não havia nenhuma pessoa que fizessem isso. Durante essa época de pesquisa esteve em alguns concertos de música histórica onde podia tocar e ver de perto as verdadeiras violas da gamba. Recolhendo toda essa experiência, decidiu finalmente começar os trabalhos. Foi em 2012 que transformou um dos quartos da sua casa numa oficina de luthier e comprou as primeiras peças de madeira.
Rapidamente chegou à conclusão que vai precisar das ferramentas que nunca tinha visto e das quais sabe pouco. Mas isto não impediu o trabalho. Se não podia comprar alguma coisa (que fazia normalmente nas lojas estrangeiras pela internet), construía. Isto ocupava mais tempo mas Michał não tinha pressa. Passava cada momento livre na sua oficina de luthier, às vezes fazendo intervalos muito longos no trabalho, porque esperava a encomenda de outro país com certo tipo de madeira comprada pela internet.
Já no princípio deste projeto decidiu que vai documentar cada movimento seu com fotos. Criou um site onde cada dia punha as fotos. Assim os amigos dele podiam ver como vai o trabalho e não só os amigos. Tem muitos seguidores que o felicitam cada vez que acaba alguma parte dos seu instrumento.

Se a primeira viola da gamba que fez ocupou-lhe dois meses, a segunda precisava de mais tempo. Também dois, não meses mas anos. Tudo isso por necessidade de encontrar por ele mesmo soluções técnicas que não conhecia antes. Celebrou o dia em que acabou completamente o instrumento com uma garrafa de espumante. A viola da gamba que fez era um instrumento verdadeiro, com todos os detalhes necessários, como se saísse de oficina de um luthier profissional. Tem sete cordas, o que amplia a escala do som. Soa alto e profundo.
Já tendo a oficina de luthier completamente equipada decidiu continuar com a produção de violas da gamba. A recém terminada é sua, mas outra que já começou a fazer vai querer vender. E provavelmente ganhará muito com ela. Assim quer também mudar completamente a sua ocupação que é o trabalho de psicólogo. O seu sonho é fazer instrumentos e que isso seja o seu trabalho verdadeiro, não só o passatempo.
Diz que a viola que está a fazer agora, a segunda da sua oficina de luthier, já não deveria ocupar-lhe tanto tempo porque já tem todas as ferramentas que precisa e também um pouco de experiência que ganhou fazendo os dois primeiros instrumentos. Vai continuar também documentando com fotos os seus trabalhos. De fato, já está a fazê-lo. Tudo se pode ver no site goldenviol.tumblr.com.

O que é mais difícil na construção do instrumento?
Michał: Os mais difíceis são todos esses momentos quando tenho de ser muito preciso. Em cada parte de trabalho há esses momentos. O pior é fazer um erro na fase de preparação do desenho técnico e dar conta na fase da construção. Pois, é muito fácil enfurecer-se neste momento. Depois pode-se mudar da conceção, fazer esta parte outra vez desde zero ou aceitar que esta parte do instrumento vai ser imperfeita.  O difícil é também recolher os dados sobre o tamanho e tipo de madeira do instrumento que quero fazer. Tenho de procurar muito na internet.

Estás contente com os instrumentos que fizeste até agora?
Michał: Sim e não. Sim, porque a primeira viola teve dois objetivos: poder tocar e que soasse mais ou menos como viola da gamba. E estes objetivos foram alcançados. Não, porque não era o instrumento verdadeiro, feito segundo certas regras. Estou contente com a  segunda viola que fiz porque soa melhor, tem som mais alto, é mais leve e mais cómoda para tocar. Realizei o objetivo de fazer o instrumento verdadeiro. Não estou contente porque tem alguns erros e más soluções técnicas. Além disso, ainda não tem o som que procuro. O primeiro passo foi feito mas ainda tenho muito por fazer. O descontentamento é um bom sentido porque dá a força para continuar com este trabalho.

O que dá mais satisfação em ser luthier?
Michał: Não sei quando é esse momento em já és um luthier. É mais o processo de converter-se nele que o ser. É uma boa oportunidade de expressar a minha criatividade. Posso sentir-me como um criador porque crio o novo objeto. É uma ocupação muito fascinante. Além disso, crio uma coisa que posso vender por muito dinheiro.

O que dirias às pessoas que se queixam do seu trabalho mas não fazem nada para mudá-lo?
Michał: Se não gostas do que fazes, não gostas do sítio onde estás, muda algo. Não és uma árvore, não tens raízes. O facto que não tens preparação para fazer algo não significa que não podes fazê-lo. Tenta antes de dizer que não sabes fazer algo.

Estera Małek
2º de Mestrado em Estudos Portugueses

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