Fernando Pessoa e Lisboa





A primavera de 1905 chegou a Lisboa com antecedência. Os raios de sol acariciavam as caras dos transeuntes, o ar fresco dava voltas por toda a cidade começando por Alfama e chegando até os arredores, e logo pelo resto de Portugal. Este ar da primavera refrescante trazia consigo o triste sentimento de saudade que só aumentava a beleza desta cidade. Ah, este cidade é cheia de encanto, uma princesa real. Uma princesa, mais também uma lutadora. Não é fácil levantar-se depois de um terramoto, pensou o rapaz de 17 anos passeando pelas ruas. No seu coração também sentia uma espécie de terramoto. Mas não havia nenhum marquês de Pombal que o ajudasse a levantar-se. De manhã chegou ao porto e desde então estava visitando a cidade que não via há muito tempo. Depois de terminar os seus estudos na África do Sul decidiu mudar-se definitivamente para Lisboa. Aqui quase cada rua o inspirava, cada sopro de vento. Aqui podia escrever. Com somente sete anos, graças ao seu padrasto, teve que deixar esta maravilhosa cidade e mudar-se para Durban, na África do Sul, enfrentando  novos e desconhecidos costumes e a uma nova língua. Por um instante, o jovem parou a observar a cidade. Esta é Lisboa! Suas casas de várias cores..., pensava. Este momento dá inicio a um poema de Álvaro de Campos escrito anos depois...
    A casa da sua avó Dionísia não era muito grande, mas acolhedora. Ao chegar, ele cumprimentou-a com um beijo carinhoso. Não era comum que o Fernando demonstrasse tal afeto, talvez tantos anos separados fossem a causa desta mudança de comportamento, pensou a avó. O mesmo beijo será usado dois anos mais tarde para a sua despedida para sempre.
    Já passaram quinze anos desde o seu retorno a Lisboa. Apesar do tempo transcorrido, o Fernando, um homem de 32 anos, olhava para aquela cidade, para a sua arquitetura, para as pessoas que nela viviam, para o porto, para o mar..., com a mesma admiração e interesse que mostrou no primeiro dia em que os seus pés voltaram a pisar esta terra. Entre os bairros de ar boémio, as casas cobertas de azulejos, os castelos medievais, e as muitas outras belezas da cidade, Fernando preferia um lugar em concreto, um lugar onde que encontrar-se com seus amigos e conversar tranquilamente observando a cidade. Este lugar era o café Martinho da Arcada, na Praça do Comércio. Ali se reunia varias vezes com o engenheiro Álvaro de Campos, o médico Ricardo Reis e o camponês Alberto Caeiro. Esses encontros alimentavam a sua imaginação e criatividade de tal forma que os seus bolsos estavam sempre cheios de papéis com anotações quando voltava para casa.
    Às vezes, os seus companheiros visitavam-no na sua casa de Campo de Ourique. Chegavam sempre muito tarde, algumas vezes com as garrafas de bebidas alcoólicas. Fernando tinha um certo tipo de angústia que parecia acompanhá-lo sempre; uma angústia que se tornou ainda mais visível depois da morte do seu amigo, Mário de Sá-Carneiro. A angústia, a incerteza, a inquietude.. todos estes sentimentos pareciam persegui-lo como os fantasmas do passado. Por vezes não era capaz de se levantar da cama, outras vezes caminhava sem sentido pelas ruas de Lisboa, com os seus óculos e chapéu, sempre procurando o sentido da vida, o sentido de ser humano. Nos momentos difíceis nos quais sentia desilusão com a existência, compartilhava os seus pensamentos com Álvaro, um grande decadentista, que como o próprio Fernando sentia-se um estrangeiro em qualquer parte de mundo. Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.- deixou uma vez no escritório de Fernando.
    Outras vezes, Fernando passava o tempo discutindo com Ricardo Reis, um médico cuja inspiração tinha origens na mitologia clássica, sobre a limitação e fatalidade da condição humana. Chegavam sempre à mesma conclusão – a vida é uma viagem com um fim, é inevitável, o destino é a força que supera o homem e o homem só pode aproveitar o momento. Depois de conclusões deste tipo era óbvio procurar prazer imediato, sem medo do futuro. Passavam então tempo juntos em companhia de várias garrafas, tentando aproveitar cada momento.
    Quando Fernando se cansava da simbologia e da metafísica, falava com Alberto, o camponês de Lisboa, que acreditava que os seres somente são. Rapidamente ganhou a simpatia de Fernando, porque foi um poeta com as regras muito estritas - nunca escreveu em prosa, pensando que somente a poesia seria capaz de dar conta da sensação que é a única realidade. Numa casa de pasto conheceu também Bernardo Soares, o autor do “Livro do Desassossego”. Ambos passaram muito tempo em profundas reflexões sobre a raça humana.
    Havia momentos em que todos eles se encontravam e nestes momentos a cabeça de Fernando parecia um vulcão à beira da erupção. Corria de uma parede à outra, sem parar. Já não sabia quem era. O mesmo aconteceu quando conheceu a jovem datilógrafa Ophélia Queiroz. Foi um destes momentos nos quais o seu coração começou a bater tão rápido que parecia que queria sair do seu peito. O próprio Fernando, nesse momento, sentiu-se fora de si, como se um estranho controlasse o seu corpo. Todas as caras da sua personalidade se revolveram, identificava-se com todos e com ninguém, estava fechado na sua imaginação. Ao mesmo tempo era o Álvaro, o Alberto, o Ricardo, o Bernardo…e muitos mais. Havia momentos nos quais queria deixar tudo isto.. Mas finalmente, era o Álvaro quem escrevia as cartas a Ophélia.


A minha inspiração foram as canções Lisboa Antiga de Amália Rodrigues e Fado de Pessoa de Ana Moura.

 Patrycja Chorylek
1º ano de mestrado em Espanhol

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