Arte Luso-oriental e Indo-portuguesa
O aspecto interessante
da arte que surgiu no império português oriental é a dualidade do nome, ou
seja, a coexistência de duas definições: a arte luso-oriental e a arte
indo-portuguesa. Isso mostra que nenhuma cultura dominou a outra e ao mesmo
tempo deu privilégio tanto à cultura lusa
como à cultura indo. As fronteiras
políticas do Oriente português eram difíceis de demarcar porque a região era
composta por vários países e culturas diferentes, como Chineses, Timorenses, Indianos, Japoneses e outros.
A arte desempenhou o papel essencial nos contatos entre os povos nativos e os
missionários portugueses.
Rafael Moreira e Alexandra
Curvelo perceberam que a Carreira da Índia
resultou em um diálogo cultural e artístico e também em um convívio entre as
duas culturas tão extremas. Esta arte, porém, não pode ser encaixada nos ramos
geográficos e “deve ser entendida não
apenas em sentido geográfico, mas sobretudo social e histórico”. (MOREIRA
Rafael, CURVELO Alexandra: 532). “A Arte
indo-portuguesa teria sido produzida em territórios portugueses da Índia e fora
destes, em locais de influência econômica dos Portugueses e em territórios da
penetração religiosa (...).” (CAGIGAL E SILVA, Maria Madalena: 374)
Através deste encontro
entre a cultura portuguesa e a oriental surgiu uma nova distinta cultura, com sua
própria forte personalidade. O surgimento da arte indo-portuguesa não
necessariamente ocorreu apenas no continente asiático. Aqui as fronteiras desta
arte são muito flexíveis. Tanto os índios que viviam em Lisboa como os
aculturados na Índia portugueses podiam dar vida à arte indo-portuguesa. Esta
arte é um fruto de miscigenação, convívio de duas culturas diferentes e de uma
interinfluência cultural.
Talvez a Coroa
Portuguesa tenha imposto as restrições à política e à economia e tenha proibido
os contatos comerciais entre os países conquistados, mas na questão da cultura nunca
houve nenhuma limitação nem proibição. A cultura e arte da Ásia como as de
Portugal e das outras possessões marítimas se espalharam e difundiram de uma
forma muito rápida cujo fruto foi o nascimento da arte indo-portuguesa,
indo-açoriana etc.
A arte indo-portuguesa
surgiu por um lado pela necessidade dos nobres que viviam na Índia para possuírem
as coisas do cotidiano (p.e. mobiliário) e por outro lado pela encomenda
religiosa dos missionários, como dos jesuítas que usavam os elementos na
propagação da religião cristã. A arte indo-portuguesa desempenhou o papel importante
na difusão e promoção da religião católica.
Podemos analisar
também a arte indo-portuguesa em uma maneira muito mais prática; como um
elemento de um cotidiano dos portugueses residentes na Índia. Por este motivo
além da arte do nível mais sofisticado como arquitetura, pintura ou escultura, podemos
encontrar também vários exemplos de mobiliário ou tecidos que os portugueses
usavam no dia-a-dia.
A arte indo-portuguesa
era um resultado de uma simbiose de duas distintas culturas e contribuiu no
espalhamento dos costumes da época. Graças a esta arte foram documentados e
imortalizados inúmeros hábitos. De fato, a arte indo-portuguesa não era o
domínio dos portugueses. Foi bem pelo contrário porque houve pouca porcentagem
dos artistas portugueses em comparação com dominação dos artistas indianos,
mestiços e mongóis. A arte indo-portuguesa podia ser uma discreta maneira de
cristianizar os povos indianos. Quando os Jesuítas chegaram à Ásia encontraram
uma cultura altamente desenvolvida, então o objetivo dos Jesuítas era se
acomodar nas realidades asiáticas. Através da arte, os Jesuítas podiam passar
aos recém-encontrados povos os temas
bíblicos e elementos da cultura europeia cristã, como na Igreja de Bom Jesus em
Goa ou graças aos motivos de decoração dos tecidos etc. A arte indo-portuguesa
era um elemento essencial em espalhar as lendas e tradições portuguesas. Nos
tecidos se representavam as estórias e figuras portuguesas dos séculos XVI e
XVII.
A arte indo-portuguesa
é uma mistura de vários elementos porque a Índia serviu de ponte de passagem
para as ações culturais e religiosas dos portugueses. Na Índia se interferiram
vários elementos: a fé cristã dos europeus, hábitos e crenças indianas e também
os produtos africanos como o marfim oriundo de Moçambique. O que distinguia a
arte indo-portuguesa eram a complexidade e abordagem do tema e não como
pensamos apenas a introdução dos elementos básicos da Índia.
A arte relacionada com
a expansão portuguesa não possui nenhuma sequência histórica nem uma lógica sofisticada. É bem complexa,
dominou vários continentes e muitos patrimônios culturais diferentes e apesar
disto também é pouco sistematizada. Nos
dois textos apareceu uma teoria que era realmente muito difícil encaixar num modelo
só a arte indo-portuguesa, ou seja definir exatamente os ramos, as fronteiras e
a temática da arte indo-portuguesa. Como o exemplo, o Bethencourt mostra que os
quadros de Garcia Fernandes do século XVI localizados na igreja em Goa, mesmo
que mostrassem a história de uma região brasileira, não possuíram nenhum
elemento oriental nem português. O mesmo aconteceu com a Igreja da Divina
Providência, localizada na mesma cidade, que não possuiu nenhum de dois
elementos e ainda foi construída por um italiano, então um sujeito fora do
império português. “O único denominador
comum a todas estas obras e, de algum modo, a presença determinante dos
Portugueses e a consequente confrontação (contaminação, integração) de
diferentes realidades e atitudes culturais e estéticas” (BETHENCOURT: 404).
Podemos observar uma mestiçagem de arte de três formas: confrontação,
contaminação e integração. Cada uma delas mostra uma dimensão diferente:
confrontação – que a arte portuguesa e oriental foram opostas, contaminação -
que uma arte foi poluída pela outra, e integração – que soa mais positivamente,
que as duas artes se misturaram.
O melhor exemplo da
mestiçagem cultural e do sincretismo religioso representa a escultura feita em
marfim do Menino Jesus adormecido que é fruto da integração da cultura
portuguesa cristã com as crenças asiáticas. Menino Jesus representa um Bom
Pastor mas lembra também o Buda. Eles está situado em cima da escultura e por
baixo há vários níveis com cenários com figuras evangélicas e elementos
decorativos típicos da Índia. A figura do Menino Jesus representa a Primeira
Meditação do Buda. Como conclusão podemos supor que tanto a influência europeia
como indiana tinha direitos iguais. Nenhuma das artes dominou a outra. Com
certeza este tipo de escultura era um método silencioso de espalhar a cultura europeia
e a fé cristã na Índia. Isto mostra porém, que os Europeus respeitavam a
cultura local na Índia e não entravam em conflito religioso. Em vez de cruzadas
medievais, os portugueses aceitaram a outra forma mais orientalizada da figura
de Jesus. Parece que os Portugueses abandonaram a política de cruzadas e o
almejo de converter os infiéis e, em vez disto, se abriram para aceitar outras
formas das figuras bíblicas que por muito tempo eram intocáveis. Grande
contributo nisso teve também o Renascimento e o fato que mais atenção se
prestava no elemento humano. Não surpreende, portanto que a figura de Menino
Jesus tenha sido criada em pleno século XVI.
“(...) A exportação de quadros da Europa para o
Oriente. No entanto a maioria dos quadros pintados para os territórios
controlados pelos Portugueses foi da responsabilidade de artistas locais,
europeus ou nativos formados localmente (...) Não devemos esquecer que as
concepções artísticas orientais eram diferentes das do Oriente”
(BETHENCOURT: 424) A arte indo-portuguesa não precisava ser necessariamente
criada pelos portugueses. Para muitos dos nativos, as concepções artísticas dos
portugueses eram desconhecidas e distantes.
Uma das artes
indo-portuguesas mais fascinantes era a arte Namban do sul do Japão que de fato é uma grande lembrança da história
dos Portugueses neste país. O caso de Japão é especial por ser uma espécie de
primeiro verdadeiro intercâmbio entre as duas culturas diferentes. Por um lado
os batizados japoneses construíram as capelas cristãs nas suas mansões, por
outro lado vários japoneses trouxeram da Europa muito tipo de arte, incluindo
livros e instrumentos musicais que resultou em “ocidentomania”. A
cultura Japonesa não foi dominada pela cultura portuguesa. Aqui aconteceu bem
diferente - foram os japoneses que se fascinaram pelos Europeus. Arte Namban se tornou um símbolo das relações
luso-japoneses. Os biombos parecem com livro que contam a história do primeiro
encontro entre os Portugueses e os Japoneses. “Noutros biombos europeus
relacionado com o Ocidente surgem temas diferentes: costumes sociais, europeus,
mapas-múndi, as quatro cidades de Ocidente – Lisboa, Madrid, Roma e
Constantinopla.” (BETHENCOURT:433).
Outro elemento
importante que constituiu também a arte indo-portuguesa são as igrejas, tanto
na Índia as quais foram europeizadas, como em Portugal que foram
orientalizadas. O estilo principal que podemos observar era o manuelino que
promoveu o intercâmbio artístico. A Igreja de São Francisco na Velha Goa,
Igreja de São Paulo em Macau, Basílica do Bom Jesus em Gola se caracterizam
pelo estilo manuelino.
A arte indo-portuguesa
e luso-oriental era uma arte livre e sem fronteiras. Apesar de ser livre era
muito complexa, apareceu em todos os possíveis tipos da arte – desde pintura
até os mobiliários. Para mim desempenhou um papel de evangelizador discreto que
de uma maneira muito pacífica entrou no espaço asiático. Por espalhar
discretamente a religião cristã com certeza não era uma arte inocente. Através
desta arte os Portugueses conseguiram entrar nas culturas asiáticas altamente
desenvolvidas.
Agata Bloch
Fundacja Terra Brasilis
BIBLIOGRAFIA
Moura Sousa, Luis de, A expansão e as artes: Transferências, Contaminações,
Inovações: em Curto, Diogo Ramada;
Bethencourt, Francisco, A expansão
marítima portuguesa, 1400-1800.
Edições 70, Lisboa 2010.
Cagical e Silva, Maria
Madalena de, A história e as relações artísticas
entre Portugal e a Índia, Lisboa : Instituto
de Investigação Científica Tropical, 1985.
Moreira, Rafael e
Curvelo, Alexandra, A Circulação das
Formas. Artes Portáteis, Arquitectura e Urbanismo, História da Expansão Portuguesa, Círculo de
Leitores, (Vol. 2), Lisboa 1998.
Comentários
Enviar um comentário