Kazimierz Guziuk
Sempre que visito a casa de família do Wojtek, lembro-me do seu avô. A casa fica em Białka, uma aldeia perto de Krasnystaw. A casa está vazia, só durante os feriados e as férias se enche com a família Guziuk a que pertenço. Quando entrei nesta casa pela primeira vez senti-me como se o tempo tivesse parado. Estava cheia de aparelhos antigos, móveis, galhadas e outros troféus de caça. E, sobretudo, coisas relacionadas com cavalos. Quadros, figurinhas, selas, muitas medalhas e diplomas de concursos hípicos – tudo relacionado com estes animais. Em cima da cómoda está pendurada a pintura da pessoa que fundou este lugar extraordinário. O quadro de Kazimierz Guziuk, o diretor da Coudelaria de Białka. No quadro está vestido com uniforme, montado no seu cavalo, o Arcymiły; ao lado dele está o seu fiel cão, um schnauzer gigante, o Amor. Embora nunca o tenha conhecido, eu vou sempre lembrar-me do seu rosto nesta imagem, cru e impenetrável. Não podem ler sobre ele na Wikipedia, mesmo que tenha sido um dos fundadores da criação moderna de cavalos na Polónia. Por causa da sua filiação no Partido Comunista, foi apagado da história moderna pelos "defensores da democracia".
O meu marido gosta de contar as histórias sobre o seu avô; quando o fez pela primeira vez repetia muitas vezes as palavras patriota e herói. Com razão, porque apesar de – como cada ser humano – ter cometido muitos erros, ninguém pode dizer que ele não amava a sua pátria e não tinha coragem. Fiquei a conhecê-lo falando com o meu marido e com o meu sogro – o filho de Kazimierz Guziuk, que herdou do seu pai a paixão pelos cavalos e pelo trabalho duro, graças ao qual agora é um reconhecido juiz de competições internacionais e diretor da coudelaria Al Khalediah Stables em Nowe Wrońska perto de Varsóvia.
Kazimierz Guziuk nasceu em 1921 numa aldeia perto de Janów, onde se encontra a maior coudelaria da Polónia. Começou a trabalhar ai como palafreneiro quando era um menino de catorze anos. Conheceu a sua mulher no tempo de guerra, ao tentar proteger os cavalos dos alemães. Com os cavalos tinha fugido de Janów para uma aldeia perto de Sanok (a cerca de 300km). Ela procedia da nobreza, embora pobre, mas nessa altura foi o casamento desigual quando uma menina de classe superior casou com um rapaz de uma simples família campesina. Casaram em 1941 mas pouco tempo depois Kazimierz voltou para Janów e Sabina ficou na sua aldeia natal. Em 1942 ela foi presa e deportada para a Alemanha, onde trabalhou numa quinta. Nesse tempo Kazimierz trabalhou no pelotão conspiratório de cavalaria do Armia Krajowa (a resistência) e terminou a Escola de Suboficiais. Também participou em ações de sabotagem e retaliação realizados pelo Armia Krajowa.
Os alemães, que durante a guerra roubaram a coudelaria em Janów, apreciaram-na e apoiaram o seu desenvolvimento. Mas em troca, os cavalos foram considerados propriedade alemã e durante a evacuação, em 1944, levaram todas as 300 cabeças da manada. Os seus protetores, Kazimierz Guziuk entre eles, partilharam este destino incerto dos cavalos. A manada chegou a Dresden onde sobreviveu ao bombardeamento dos Aliados e logo foi levado a Nettelau onde formou o conselho das coudelarias polacas na Alemanha que abrangeu todos os cavalos roubados de muitas criações da Polónia. Kazimierz conseguiu trazer de lá a sua mulher e lá também nasceu o seu filho, Andrzej.
Em 1946 voltou de barco para a Polónia com a sua família e a manada. Começou a trabalhar em Kwidzyn onde entrou no Partido Socialista Polaco. Em 1950 como resultado da chamada promoção social, assumiu as funções de diretor da Coudelaria de Białka. Mudou-se com a família para uma aldeia pitoresca perto de Krasnystaw onde desde os anos 20 funcionava a coudelaria militar. Faltava-lhe a experiência mas não faltava entusiasmo. Com um grupo dos colaboradores acertados conseguiu criar uma coudelaria que se desenvolvia dinamicamente e o número de cavalos ia crescendo.
Estabeleceu também uma colaboração com os centros universitários, recebendo estudantes para estágios e organizando acampamentos equestres (num deles conheceram-se os meus sogros!). Ele mesmo também praticou equitação com alguns êxitos nesta área. Geriu a coudelaria com mão de ferro e rigor militar (todos os empregados tinham de usar uniformes). Tudo isto influenciou bastante na condição da coudelaria, que, apesar dos problemas, funcionava (uma das quatro no país) e tinha sucesso.
Em 1981 depois de 46 anos de trabalho ativo, Kazimierz Guziuk reformou-se e deixou a administração da criação dos cavalos nas mãos do seu filho primogénito, Andrzej. Isso permitiu a realização dos projetos iniciados e começados há algum tempo, como por exemplo a fundação da coudelaria dos cavalos árabes que agora tem a posição firme na Polónia.
Depois de se reformar, Kazimierz Guziuk desenvolveu a atividade social, colaborando com os criadores e tornou-se membro da Associação de Caçadores (todos os troféus em casa são de caça). Dedicou toda a sua vida à criação dos cavalos; a família sofreu muitas vezes, mas conseguiu não só reativar a criação dos cavalos árabes na Polónia, mas também passar a sua paixão aos filhos (o segundo filho foi o diretor da coudelaria em Kurozwęki e agora gere a coudelaria árabe Al Khalediah Stables em Nowe Wrońska). A determinação e coragem de Kazimierz Guziuk com as quais durante a guerra salvou centenas de cavalos do bombardeamento em Dresden, desperta a minha profunda admiração.
Monika Czarkowska-Guziuk
2º ano de mestrado em Estudos Portugueses
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