Relações entre Portugueses e Marroquinos após a tomada de Ceuta (1415)

A origem da presença portuguesa em Marrocos tinha vários fatores, tanto políticos, como econômicos ou religiosos. Um destes fatores foi a consolidação da independência portuguesa no contexto da Península Ibérica. A reconquista árabe da Península entrou em declínio a partir do ano 1250 quando os muçulmanos perderam a cidade de Córdoba. Até ao ano 1492 o último território peninsular, Granada, ainda estava na posse dos muçulmanos. A primeira conquista pelos Portugueses da cidade norte-africana de Ceuta foi realizada no ano 1415. No olhar português, a tomada do Norte de África foi um grande triunfo perante Castela e o Papado. De fato a reconquista de África foi prevista a partir do século XIII e de acordo com várias regras européias ia ser uma invasão legítima porque a ocupação do Reino de Fez e de Marrocos seria vista como reconquista e a luta contra os infiéis. A cruzada contra os Mouros foi um grande desejo tanto do papa como dos Franciscanos e Dominicanos. O fato da tomada de Constantinopla pelos Turcos em 1453 levou o papa a preparar uma nova cruzada, mas no final a idéia não tinha sido adotada por outros países europeus. O único país que apoiava o Papa era Portugal que desta maneira conseguiu a ajuda financeira do Vaticano e logo em 1458 o rei português conseguiu conquistar Alcácer-Ceguer. A reconquista foi a continuidade da expansão ultramarina e do movimento expansionista para o Norte de África. O prolongamento do território nacional foi possível apenas através das cruzadas contra os Mouros.
O Norte de África é um bom exemplo da convivência intercultural, mesmo se havia alguns conflitos. Naquela época o norte de Marrocos era o único lugar onde viviam cristãos, muçulmanos e judeus. Judeus - depois da ordem de expulsão de Espanha e Portugal e por causa da perseguição pela Santa Inquisição - tentavam se adaptar em Marrocos porque lá as ordens do rei não eram tão rígidas. Por vários séculos os cristãos e os muçulmanos tinham que aprender a viver uns ao lado dos outros. Convém acrescentar que essas relações não sempre eram conflituosas. Em vários casos os Mouros se converteram ao cristianismo e foram batizados. Alguns assumiram também os importantes cargos militares nos serviços portugueses. Obviamente esse tipo de comportamento não foi bem visto entre os muçulmanos porque quando eles apanhavam um “traidor” castigavam-no conforme mostra o caso de Gonçalo Vaz (Anais de Azrila). Muitos cristãos portugueses que viviam em Marrocos também abandonaram a fé católica e mudaram do cristianismo para o islamismo.
A reconquista de Marrocos pelos portugueses não seria possível sem a ajuda dos próprios Mouros. Na época da conquista, o Norte de África era governado pelo rei muito impopular entre as tribos locais – Abu Saíde. A intervenção portuguesa nos assuntos internos da região ajudou os Mouros a combaterem os governantes indesejáveis. Como a força portuguesa em Marrocos não era suficiente, os portugueses decidiram arranjar aliados das tribos locais, aproveitando dos problemas locais e assim ganhando novos aliados.
Podemos destacar também três fases nos relacionamentos entre os portugueses e marroquinos. Depois da conquista de Ceuta entre 1415 - 1471 nas relações entre os dois povos era bem visível a hostilidade. Os portugueses tinham uma perceção do mundo muito eurocêntrica, vendo os muçulmanos como infiéis e inimigos de cristianismo. Mesmo que a idéia principal da invasão tenha sido a conversão ao cristianismo, no final os portugueses pareciam estar interessados muito mais pelas potencialidades econômicas de África. Na zona de Estreito a política adotada pelos Portugueses pode-se considerar militar e estratégica enquanto na região meridional comercial e dialogante. A partir de 1471 (conquista de Arzila) os portugueses declararam uma ocupação restrita com soberania limitada no norte do país enquanto no sul o domínio de Algarve era protetorado. A presença portuguesa começou a declinar a partir de 1515 com o desastre em Mamora e a paz foi rompida quando D. Manuel I declarou uma cruzada contra os povos muçulmanos. A partir daí os portugueses acabaram perdendo a capacidade de intervir na política marroquina.
            Para manter as praças marroquinas o rei português anunciou a política de ordenação do território, ou seja, Marrocos tinha que estar o mais possível parecido com Portugal – nas questões políticas, econômicas e administrativas. Também foram enviados para Marrocos vários arquitetos portugueses com objetivo de construir castelos e fortificações semelhantes às construções portuguesas. O objetivo dos portugueses não era a exterminação dos marroquinos, mas manter com eles as relações semiamigáveis para aumentar o comércio e com ajuda deles penetrar no território marroquino. Não obstante, de acordo com várias crônicas os marroquinos sofreram bastante violência das mãos portuguesas. No olhar português os marroquinos eram gananciosos, perigosos, com temperamento muito violento, machucavam os próprios compatriotas, eram bastante cruéis com os portugueses e eram hipócritas pois consumiam álcool o que era contra os princípios do Islã. Os portugueses temiam os muçulmanos (os Turcos, Persas, Mouros do Magrebe e aqueles que moravam nos países banhados pelo Oceano Índico) vendo eles como uma ameaça de sufocar a cristandade.
            A luta pelo domínio e posse de Ceuta foi essencial por sua posição privilegiada do ponto de vista da política. A cidade era uma das duas cidades em Marrocos junto com Tanger que tinham baías que olhavam para Espanha. Segundo Leão o Africano (diplomata e explorador mourisco) a cidade de Ceuta era muito rica graças ao tráfico comercial. De Ceuta, Portugal era capaz de vigiar a navegação do Oceano Atlântico e do Mar Mediterrâneo combatendo com mais eficaz os corsários. No início da reconquista de Marrocos o objetivo era a conversão dos infiéis, mas a partir do século XVI o alvo dos portugueses era o comércio para a Índia. Para eles as condições de vida eram bastante difíceis (a questão da guerra permanente nas praças e da guerra guerrada – tipo de guerrilha) e de fato Marrocos se tornou uma escola de sobrevivência para que os portugueses conseguissem sobreviver na Índia. 
           
Bibliografia:
DIAS FARINHA António, Os Portugueses em Marrocos, Instituto Camões, Coleção Lazúli, 1999.
LOPES David, A Expansão em Marrocos. Lisboa: Teorema / O Jornal, [1989]. (Outra pequena síntese mas muito importante para entender todo o processo da presença portuguesa em Marrocos).’
LOUREIRO Rui, A Visão do Mouro nas Crónicas de Zurara, Mare Liberum. Revista de História dos Mares, nº 3, Lisboa, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1991, pp. 193-209.
VICENTE Paulo, A Violência na Cronística sobre Marrocos nos Séculos XV a XVI. Representações e Vivências, Lagos, Câmara Municipal de Lagos, 2009.

AGATA BŁOCH                                                                                                          
Fundacja Terra Brasilis e Centro de História de Além-Mar  (Universidade Nova de Lisboa)

NR: O presente artigo, é o primeiro e esperemos que não o último, escrito por "correspondentes" de fora da nossa universidade. 

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