Todas as pessoas de Fernando
Todo o mundo sabe que Fernando Pessoa
desdobrou-se nos heterónimos que são as frações da personalidade e sofrem
faltas quando as comparamos com a personalidade deste génio. Por outro lado,
alguns dos seus heterónimos parecem levar uma vida mais rica do que o seu
criador que parecia... pois, chato. Fernando quase não viajava enquanto Álvaro
Campos viu praticamente tudo. O descobrimento dos fragmentos de ‘Livro de
desassossego’ numa caixa mostra que as pessoas aparentemente insípidas podem ter a vida íntima
extremadamente rica graças à literatura.
A literatura dá-nos
a possibilidade de viver as vidas impossíveis: contornar as regras da
concordância do tempo, do espaço, de uma lógica. Basta abrir o livro, basta ler
ou escrever para viver as vidas dos outros sem correr risco nenhum. É uma
mentira tão inocente e doce como um sonho. Deste ponto da vista todas as
viagens de Álvaro eram tão verdadeiras como as palavras que acabo de escrever.
Em vez de confrontar os seus desassossegos, Fernando escreve-os. Em vez de
fazer malas e dar a volta ao mundo, ele
encerra-se em casa e escreve ‚A passagem das horas’. Deixar os versos em
vez de memórias é a vida de não- existência.
Assim percebo as primeiras palavras de ‘Livro de Desassossego’ onde o autor
escreve que este livro é a sua cobardia. Que tipo de cobardia é essa? É o medo
da morte. Procuramos ultrapassá-la deixando provas da nossa existência como:
registos de memórias, fotografias e formando família. Esta tentativa só serve
para dar alguma resposta para a pergunta ‘Por
que nasci?’.
Há pessoas que
opinam que Fernando Pessoa era louco, mas talvez
fosse só uma pessoa (de minúscula) que, sendo incapaz de encarar a vida e obter
experiências próprias, acumulava a sua dor de entropia e a sublimava nas
obras-primas, passo a passo, e deixava que a sua frustração gotejasse com as
letras belas. Viver só uma vida nunca sacia a
fome. A vida de Fernando não terá sido nenhuma exceção – a sua vida parecia tão
importuna como se tivesse sido uma personagem de Kafka. Por acaso ele precisava
de heterónimos para viver as vidas que nunca viveu. A
meu ver todas as pessoas que criou são os seus sonhos não realizados e por isso
tornaram-se eternos.
Fernando Pessoa
terá sido um génio, não um homem adoidado. Sempre que aparece um pensamento
original o rejeitamos como sendo uma loucura. As pessoas geniais são chamadas
orates porque os seus pensamentos não seguem os mesmos esquemas que nós. O que
nós achamos lógico nem sempre é conforme as regras dela e a ciência mostra que
algumas ‘loucuras’ eram, em fim, verdadeiras.
Para mim, Fernando Pessoa era um sonhador – o
sonhador que provoca riso, o sonhador que nos dá pena, o sonhador que nos
estranha. Era um homem excecional e sensível
demais - isto só provoca fragilidade.
Não podemos
contar quantas pessoas contém Fernando. Deveríamos
perguntar quantas pessoas nós contemos. Não somos idênticos com o decorrer do
tempo, não somos fieis a nós. Éramos diferentes e seremos diferentes. Dentro de
10 anos no nosso corpo não há nenhuma célula que permaneça, então qual é a ideia de adquirir
apenas um nome para toda a plêiade de ‘nós’ possíveis?
Suponho que nos
incomoda notar que o ‘eu’ velho morreu para que o novo nascesse então cada
substituição possui o mesmo nome.
Aleksandra Wilkos
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